por Zé Roberto Padilha
Quando era treinador do América FC-Tr, disputando a segunda divisão do carioca em 92, fomos enfrentar o Miguel Couto, na Baixada Fluminense. Um campo modesto, um barzinho lotado que deveria atrair seus torcedores desde o meio dia para empunhar seus copos antes de desfraldarem suas bandeiras.
Tínhamos um grande time, com Leonardo, Quarentinha, Mário Alexandre, Cesar Diniz, Renatinho, e acabamos subindo, ano seguinte, para a elite do futebol carioca. Mas meu preparador físico, Carlos Camelo, estava preocupado com a arbitragem. Era, àquela ocasião, de um nível muito baixo e só o relaxei quando os vi entrar em campo. Muitos jovens conheciam o juiz principal. Havia feito com a gente, em Xerém, nas divisões de base do Fluminense, um bom estágio. E disse ao Carlinhos: “Relaxa, este nós conhecemos!”
Em menos de dois minutos ele marcou um pênalti absurdo contra nós. Empatamos de 1×1 e, tão contrariado, nem fui falar com ele após a partida. E no jogo da volta, em Três Rios, muito menos. Sua postura em nada diferenciava da velha e ultrapassada geração de sopradores de apito da FERJ. E, com a mesma moeda, devolveu o presente: marcou um pênalti inexistente a nosso favor. Após a partida, não fui lhe agradecer. Nem saber porque era tão ruim assim. Fui ao seu vestiário para saber porque fez aquilo.
Meio sem graça, pediu desculpas. E me convidou a olhar em volta. Casa cheia, bebida liberada, um bairro afastado do centro da cidade e apenas dois guardas municipais a protege-los. “Lembra de Miguel Couto? Por lá os policiais nem apareceram!”. E confessou ali que desde cedo desenvolvem, no nascedouro da sua profissão, um instinto de sobrevivência. Dividiu, aprenderam, é da casa. “Para que sair dali a pedradas se você pode deixar aquele buraco quente tranquilo e voltar em paz?”, concluiu.
Daí pra frente notei que o arbitro caseiro é fruto da insegurança do seu cativeiro. Desde lá, incorporam este trauma que jamais os abandonará. Mesmo com a SWAT nas arquibancadas, dividiu, é da casa. Foi quando Pikachú recebeu, no sábado, uma bola que veio de uma dividida do Rossi. Poucos perceberam a falta porque, dali pra frente, ele transformou a jogada em uma obra de arte.
Porém, aquele 2×0 liquidava o time da casa. E neste instante, Rodolpho Toski Marques foi tomado pelo incontido desejo de anular. E recorreu ao VAR. Que este tentasse descobrir uma irregularidade qualquer, mesmo lá atrás, um lateral mal batido, um gandula dentro de campo porque ele estava na Arena do Grêmio. E não queria sair dali com o enjoado do Renato Gaúcho berrando ao seu ouvido.
Quem berrou foi o Vanderlei Luxemburgo. Perdeu seu tempo. Na próxima partida, em São Januário, a arbitragem, traumatizada do berço, lhe devolve o presente. Marca um daqueles pênaltis que só o Eurico Miranda enxergava. E sairá são e salvo daquele lugar esquisito. Se bobear, até aplaudido.
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