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DEPOIS DA ENTREVISTA

21 / janeiro / 2020

por Claudio Lovato


Foto: Severino Silva

“O pessoal já foi embora?”, ela perguntou, voltando do quarto no qual havia permanecido pela última hora e meia. 

“Já”, ele respondeu. Tinha o olhar fixo num ponto qualquer da rua de terra batida que terminava em frente à casa. 

Ela o observava com atenção; analisava a fisionomia e as reações dele, como fazia havia muito tempo, coisa de mais de 50 anos.  

“Rapazes educados”, ela disse, na tentativa de extrair alguma reação dele.

“Gente boa”, ele disse, sem desviar os olhos da rua.

Ela se aproximou e colocou as mãos sobre os ombros dele.

“Foi tudo bem?”

“Tudo ótimo”, ele respondeu com o laconismo que era uma das marcas mais conhecidas de sua personalidade.“Cem por cento bem”, ele acrescentou com sua voz grave, sem sorrir. 

Então ela se deu conta.

“É bom não ser esquecido, não é? É bom ser lembrado”.

Ele olhou para o chão, para os pés calçados com um velho par de mocassins marrons. 

“São coisas diferentes”, ele a corrigiu.

Ela ficou em silêncio. 

“Quer um café?”

“Quero”, ele disse. 

No início, ela havia entendido que a entrevista seria para alguma emissora de TV. Ficou apreensiva. Tinham vivido algumas experiências difíceis com a televisão. Demorou uma pouco para compreender que, apesar da câmera e dos microfones, a entrevista não seria para um canal de TV, mas sim para a internet, para um site dedicado a preservar a memória do futebol e a homenagear ídolos do passado. Como ele.

“Eles sabiam de coisas de que nem eu me lembrava”, ele disse. “Passagens lá do início da carreira, detalhes”. 

“Você gostou?”, ela perguntou.

Ele apenas balançou a cabeça em sinal afirmativo, e foi nesse momento que as lágrimas começaram a descer. 

“Você não foi esquecido”, ela disse. “E é lembrado”.

Ele tentou ser discreto ao secar os olhos.

“Tem café ou era só promessa?”

Ela sorriu e foi passar café.

Ele continuou olhando para a rua, com as mãos enfiadas nos bolsos da bermuda que ganhou de Natal, acompanhado de um velho pensamento que, de alguma forma, havia vestido roupas novas nesta tarde. 

O pensamento de que nesta vida cada um faz o que pode, nem mais nem menos, apenas o que consegue, e que é com essa certeza que se deve ir em frente, ao encontro do que ainda restar no caminho, seja lá o que for.

 

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