texto: Marcelo Mendez | foto: Caio Vilela
Já me perguntaram várias vezes o porquê desse prazer todo em fazer um jogo de futebol de várzea. Eu não sei.
Da beira do campo do Estádio Pedro Benedetti em Mauá, assistindo ao jogo final da terceira divisão de lá, entre Camarões x Ampa, valendo o caneco, ficou difícil de ter algum entendimento pela dureza que ali se apresentava.
Era um jogo horroroso, mas sem problemas quanto a isso.
Afinal de contas uma das ótimas coisas da várzea é a intrínseca verdade que nela existe, o que me permite dizer sem rodeios, sem floreios, sem voltas no verbo, que ali diante de minhas retinas eu via um péssimo jogo de futebol. Era uma penumbra de lascar na manhã mauaense ali naquele estádio. O céu escuro, o vento frio, o pouco interesse do torcedor, a ausência do vendedor de amendoim… Tudo combinava perfeitamente com aquele triste futebol ali apresentado.
Era de uma pobreza técnica de dar dó.
Nada ali parecia encantar. Os times estavam cansados de alguma coisa, os técnicos não vociferavam táticas, os torcedores não faziam rezas e tudo ali caminhava para algo muito triste de se ver quando então, do profundo lodo do comum, da inércia total de sonhos, eis que surge um camisa 10 no time dos Camarões…
Era um chutão pérfido. Por um intermédio de um bicuda desferida de maneira indecente por um caneludo vil, a bola, a sofrida bola, viajava pelo céu cinza de Mauá. Não esperava por nada enquanto descia e ficou feliz quando encontrou o peito do 10. Desceu feliz e em uma linda jogada, o menino meteu o pé embaixo dela, a bola, para aplicar um chapéu épico em um desesperado zagueiro.
– Boa, Curumim! – gritou um torcedor solitário atrás de mim.
Curumim…
Era um garoto como tantos outros garotos que correm pelos campos de várzea do mundo. Caboclo da pele bronzeada de lutas, canelas adornadas por meias coloridas, chuteiras de um cítrico capaz de iluminar toda a cidade, Curumim corria…
De seus pés saía passes precisos, de sua cintura vinham, gingas e dribles desconcertantes para iluminar as jogadas que pareciam perdidas. Em uma delas, com a malemolência de um sambista da Lapa dos anos 40, deu uma caneta em um afoito zagueiro, de corar. Lépido como um jaguar, escapou da primeira pernada que tentaram desferir contra suas canelas, mas sucumbiu na segunda tentativa do outro zagueiro bufão.
Não se abalou.
Sorriu para a jogada, da mesma forma que se sorri para uma das tantas durezas da vida. Levantou e seguiu bailando. De seus pés saíram os gols necessários. De sua inteligência, veio um toque de cobertura para que saísse assim um golaço. Comemorou e seguiu feliz pelo campo. Como que sabedor de sua missão, Curumim jogou para salvar o domingo, a crônica e o encanto. Não desistiu.
Quanto mais desperdiçavam seus passes, mais ele os fazia; Quanto mais o batiam, mais ele jogava. Contra tudo e contra todos, Curumim seguiu jogando lindamente em Mauá como que em um mundo à parte em um universo seu, em um mundo criado pelo camisa 10 onde só a beleza é possível.
Vendo-o ali buscando incessantemente o encanto, o verso, chego então a tão clamada resposta sobre o que é o futebol de várzea. Oras…
A Várzea é a luta de Curumim pela beleza, pelo sonho, pela poesia. É a batalha de quem acredita que pode mudar o mundo com um drible, que pode pôr um sorriso em um rosto sisudo, por mais que o dia insista em ser frio e cinza. Sendo assim não me resta dúvida.
A várzea, meus caros, é o Curumim. Grande Curumim!
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