por Marcos Vinicius Cabral
O brasileiro Edson Arantes do Nascimento carregou no peito até a última quinta-feira (29) de dezembro quatro corações. Três Corações da cidade onde nasceu e um que o fez viver emoções mundo afora.
A primeira delas aconteceu no modesto Sete de Setembro, time em que jogava descalço em um terreno de terra batida perto de casa.
Depois no Ameriquinha, onde viveu emoção maior ao calçar chuteiras pela primeira vez e comer literalmente, antes de chegar ao Santos e se consagrar, o ‘pão que o diabo amassou’.
Enfrentou dificuldades como todo garoto negro, pobre e de origem humilde.
Não diferente dos dias de hoje para quem quer ser jogador de futebol e sonha com dinheiro, carrões, belas mulheres e uma vida tranquila, a realidade não é o ócio, mas a intensificação daquilo que se pretende viver.
Sem foco não se chega a lugar nenhum. Pelé teve métodos para fazer as coisas.
Filho de Dondinho e Celeste, se consagrou e virou o maior jogador de todos os tempos.
Conquistou títulos importantes, bateu recordes, deu números impressionantes ao esporte mais popular do planeta e, além disso, superou o tempo. Foi simplesmente o maior do rei entre tantos duques da bola.
Se esportistas como Michael Jordan, Tom Brady, Ayrton Senna, Michael Phelps, Tiger Woods, Oscar, Usai Bolt, Lionel Messi, Hortência, Roger Federer, Muhammad Ali, Zico, Mike Tyson e Maradona tiveram uma fatia do tempo na história dos esportes em que tornaram-se referência mundial e exemplos a serem seguidos, Pelé teve o tempo na totalidade na palma da mão ou na sola das chuteiras abruptas que calçou durante a carreira.
Entre números megalômanos de um rei que produziu muito em um campo de futebol, Pelé se tornou um produto financeiramente rentável para qualquer marca.
Que os digam as pilhas Ray-O-Vac, Unibanco, Vitasay, Taff Man-E e outras tantas. Pelé foi o marketing personificado à sua existência.
Enquanto alguns jogadores tentaram chegar próximos da perfeição do que foi o camisa 10 mais famoso do mundo, Pelé foi a perfeição inatingível, o jogador exemplar, o atleta a ser seguido por todos.
Eis que o Atleta do Século rompeu barreiras e sem o aparato tecnológico da internet e redes sociais que Neymar deita e rola, virou um rei na forma mais simples e sem os olhos do mundo.
Em campos esburacados, com chuteiras duras, bola pesada e adversários implacáveis e que batiam com a mão – ora, estamos falando de uma época em que o rádio era o único meio de comunicação – era necessário muito mais do que apenas jogar bem. Era necessário sobreviver. Pelé sobreviveu.
Enquanto a indústria têxtil produzia uniforme pesado que não absorvia o suor e não ajudava na performance do jogador em campo, Pelé entrava pesado nas partidas, era transpiração e suor brilhantes na pele negra e saía leve. Pelé foi leveza pelos campos.
Pelé venceu a preconceito da cor da pele e a pele de Pelé traduziu conquistas, abriu portas e rompeu barreiras.
Barreiras como na vez em que na Suécia, em 1958, aos 17 anos, se tornou o campeão do mundo mais jovem em uma Copa do Mundo.
As lágrimas do menino negro no final do jogo contra a Suécia, em que marcou dois gols na vitória por 5 a 2, é o choro de todos nós, principalmente o choro daqueles que convivem com o preconceito racial em pleno século XXI.
Entre trincheiras, toque da alvorada, exercícios físicos, técnicas de combate, tiros, bombas, armadilhas e adversários, Pelé, já mundialmente conhecido, foi soldado destemido e contou com a expertise de quem foi o número 201do 6° Grupo de Artilharia de Costa Motorizado em Praia Grande, quando serviu o Exercício Brasileiro em 1959.
Dez anos depois, foi o soldado da paz ao parar a guerra na cidade de Benin, na Nigéria, enquanto o país enfrentava um conflito civil por causa de uma tentativa separatista da região de Biafra. O feito mostra a dimensão do que foi Pelé naquela excursão do Santos ao continente africano. Pelé salvou vidas. Pelo menos naquele momento.
Nada mal para quem sobreviveu sendo resiliente às circunstâncias dos campos de concentração antes e das partidas de futebol depois.
Pelé morreu. Mas viveu emoções que só ele sabe o valor que cada processo o transformou em nome mais conhecido do mundo. Superou até os papas que estiveram no Vaticano.
Tricampeão pela Seleção Brasileira e reverenciado pelo futebol único em cada um dos 1.282 gols. No Santos, tornou-se bicampeão da Libertadores, em 1962 e 1963, e bicampeão mundial.
Com as camisas do Flamengo, Fluminense e Vasco foram partidas amistosas. A do Botafogo, nunca vestiu, mas a respeitava demais por ter produzido Mané Garrincha, um de seus maiores parceiros na Seleção Brasileira.
No cinema e na música, dotado de carisma e já um forte e rentável produto de marketing, participou do longa Fuga para Vitória, de 1982, com Sylvester Stallone e Michael Caine e estrelou Os Trapalhões e o Rei do Futebol, em 1986, onde vivia um jornalista esportivo.
Na música, deixou 34 músicas de sua autoria registradas no Ecad e dividiu estúdio com gigantes como Elis Regina, Jair Rodrigues e Sérgio Mendes. Sem contar o encontro musical com um outro rei: Roberto Carlos, em especial de 1977 quando gravou Meu Mundo É Uma Bola.
Bola, reinado e Pelé, a divina trindade.
Na vida, o rei viveu emoções como enfileirou dribles e gols nos adversários.
Nesse oceano gigantesco do mar de jogadores que já vimos e ainda veremos, muitos vão buscar alcançar Pelé.
Desnecessário. Todos eles foram barcos. Pelé foi cais.
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