por Marcos Vinicius Cabral
Jogar bola no campo de várzea em frente à sua casa, em Guadalupe, Zona Norte do Rio de Janeiro, nunca foi problema para o pequeno Jorginho.
Difícil era conviver com as constantes agressões verbais e físicas, sofridas por ele e sua mãe quando seu Jayme – um português vascaíno – chegava em casa.
– Meu pai era muito violento. Batia demais na minha mãe, que inclusive é surda de tanto tomar soco dele. Já em mim, meu pai me agredia como se eu fosse um homem, apesar dos meus 8, 9, 10 anos! – conta o treinador que recentemente foi demitido do Vasco.
Ainda na infância, viu por muitas vezes seu irmão mais velho – hoje Pastor Jayme Amorim, da Igreja Internacional da Graça de Deus e braço direito do Missionário R.R Soares – chegar em casa alcoolizado enquanto um outro irmão completamente drogado, às vezes nem chegava.
Mas se isso era ruim, o pior foi ver uma de suas irmãs fechar os olhos definitivamente para a eternidade.
Portanto, resistir aos duros golpes dados pela vida era determinante para seguir em frente.
O futebol era, naquele momento, sua rota de fuga, no qual sua única certeza era que não desistiria e seria alguém na vida.
E foi assim, obstinado, que Jorge de Amorim Campos, não hesitou: com 19 anos, começou a jogar futebol no América/RJ.
Nesse período, o lateral-direito já se destacava nas categorias inferiores da seleção brasileira, conquistando as medalhas de prata nos Jogos Pan-Americanos de 1983, numa geração que merecia o ouro.
Não demoraria muito para algum clube contratar aquele lateral.
Em seu currículo, um jogador que era rápido, com excelente visão de jogo, passes e cruzamentos precisos e que voava pelas extremidades do campo com uma velocidade impressionante.
Para quem na infância “comeu o pão que o diabo amassou” literalmente, jogar no “Mais Querido” não seria tarefa inglória.
Na sua cabeça, passava um filme de terror quando lembrava dos momentos em que apanhava do pai ou quando chorava ao ver o sofrimento da mãe e quando também se escondia dos irmãos para não ser maltratado.
Porém, foi em 1984 que os joelhos de Leandro lhe obrigariam a jogar de zagueiro, deixando a camisa 2 sem dono.
Eis que a oportunidade batia à porta do jovem Jorginho, que – apesar da responsabilidade de substituir Leandro, a maior referência da posição – encararia o desafio com maturidade de quem enfrentou problemas pessoais mais graves até chegar ali.
Agarrou e não largou mais.
– Certa vez, eu estava fazendo tratamento no clube e o Jorginho chegou. Eu disse para o meu filho Leandrinho, que estava comigo: está vendo aquele jogador ali? (disse apontando o dedo para Jorginho), ele joga muito. Mas sabe quando ele vai jogar igual ao seu pai? Nunca, conta Leandro ao Museu da Pelada, fazendo questão de dizer que isso motivou Jorginho a ser o grande jogador que foi.
E completa:
– Depois de Carlos Alberto Torres, foi o melhor lateral que eu vi jogar!
Para Jorginho, o que antes era inferno, se tornara um paraíso, pois afinal de contas, não era qualquer um que tinha o privilégio de conviver com o falecido goleiro Zé Carlos, Leandro, Mozer, Tita, Andrade, Júnior, Adílio, Nunes e Zico.
Assim como na cidade de Jericó, onde Jesus foi tentado pelo Diabo no Monte, o jovem Jorginho, então dono da camisa 2 do Flamengo, resistia às tentações da Cidade Maravilhosa.
Em 1986, conquistou o Campeonato Carioca e entregou sua vida a Jesus, naquele 1° de junho daquele ano.
No ano seguinte, já recebeu as primeiras convocações para a seleção brasileira principal, sendo ao lado de Zé Carlos, Leandro, Edinho, Leonardo, Andrade, Aílton, Zico, Bebeto, Renato Gaúcho e Zinho, Campeão Brasileiro de 1987 e prata nas Olimpíadas de Seul, em 1988, na Coreia do Sul.
Em 1989, quando ainda defendia o Flamengo, conseguiu se tornar Campeão da Copa América.
Logo após a conquista, Jorginho se transferiu para o Bayern Leverkusen, da Alemanha.
O lateral-direito foi destaque na conquista da Copa da Alemanha na temporada de 1992/93.
O sucesso foi tanto que, no mesmo ano, foi contratado pelo arquirrival Bayern de Munique.
Então, o menino de Guadalupe chegou ao auge, vencendo a Liga dos Campeões (1995/96) e Campeonato Alemão (1993/94).
Em meio a essa excelente fase, o craque foi chamado para a seleção brasileira na disputa da Copa do Mundo de 1994, em solo americano.
O título conquistado veio coroar uma geração contestada, que sob o comando de Parreira, deu a resposta em campo e quebrou um hiato de 24 anos sem título.
Nos anos seguintes, já experiente, Jorginho ainda passou pelo Kashima Antlers, do Japão, levantando as taças do Campeonato Japonês (1996 e 98), da Copa da Liga Japonesa (1997), além da Copa do Imperador (1997).
Uma década depois, retornou ao Brasil para atuar no São Paulo.
Em 2000, foi Campeão Brasileiro e da Copa Mercosul com o Vasco da Gama, tornando-se ídolo nos corações vascaínos e deixando seu pai, o velho Jayme, feliz no céu.
Antes de encerrar a carreira, Jorginho defendeu ainda o Fluminense, onde foi Campeão Carioca, em 2002.
Pendurando as chuteiras, resolveu se dedicar às carreiras de treinador e de auxiliar, sem jamais ter abandonado sua Bíblia Sagrada, já que nos tempos de jogador, ele foi um dos principais nomes dos Atletas de Cristo, movimento que começou a ganhar força no futebol brasileiro no começo dos anos 1990.
Casado com Cristina e pai de Laryssa, Vanessa, Daniel e Isabelly, Jorginho também atua no social, sendo presidente do Instituto Bola Pra Frente, que nasceu de um sonho quando ele tinha 11 anos de idade e jogava bola no campo de várzea, em frente à sua casa, em Guadalupe, onde até hoje funciona o Instituto.
Desde a sua inauguração, no ano 2000, o Bola Pra Frente, vem investindo em pesquisa e desenvolvimento de ferramentas que utilizam o futebol para a transformação social.
O Instituto atende crianças e adolescentes de baixa renda na faixa etária de 6 a 17 anos, no contraturno escolar e oriundos de escolas públicas.
Hoje este numero gira em torno de 2.000 crianças.
Jorginho, craque dentro e fora de campo, apostou na fé para ter a sua vida transformada e, mesmo sendo um homem de palavras fortes, traz consigo a capacidade de crer que nenhuma causa é perdida.
Contudo, lição esta que aprendeu em casa a duras penas e se imortalizou no coração dos torcedores dos clubes que defendeu, e que hoje, 17 de agosto, o felicitam pelo seu 54° aniversário.
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