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COLONIZARAM A LIBERTADORES

30 / novembro / 2018

por Paulo Escobar


Desde que me lembro por gente que acompanha futebol, tenho lembranças da Libertadores, que na minha opinião era um dos torneios mais loucos e que trazia a diversidade e as mais variadas culturas latinas a campo. Os times, seus estádios, as torcidas a pressão e as festas de cidade para cidade.

O que dizer dos jogos no centenário, na Bombonera, em Nuñes, no Nacional, no Defensores del Chaco, no Cilindro, Lima, La Paz e nos mais variados estádios. Como não lembrar dos jogos quentes e finais incríveis, os mata-matas, os chamados grandes caindo, o torneio que talvez sempre mais custou aos times brasileiros e que sempre trouxe histórias e bastidores inesquecíveis.

Aos poucos foram nos matando, assassinando o futebol latino e a Libertadores, a exemplo do que a América Latina sofreu na colonização, quando os assassinos vinham com seus costumes, deuses e culturas e assim impunham aos índios, do mesmo jeito tem acontecido com o nosso futebol. Não aceitam nossa diversidade, não aceitam nossas paixões, não aceitam nosso jeito diverso de ser, mas querem nos adestrar e nos padronizar e dizer como deve ser nosso futebol.


Aos poucos levam nossos craques, depois tiraram nossos instrumentos e bandeiras, proibiram nossos sinalizadores e fogos de artifícios, colocaram cadeiras e nos disseram como se comportar nos nossos jogos, não permitiram mais ambas as torcidas, tiraram a cerveja e, a exemplo dos colonizadores, nos impuseram seus costumes e nos deixaram um hino, aquela coisa chata que é tocada na entrada de ambos os times juntos.

Mais do que nunca, o que aconteceu domingo teve muitos atores por trás, as federações que historicamente defenderam interesses daqueles que as comandam e não do futebol, os governos que sempre vão culpar as torcidas das desgraças e descuidos históricos deles mesmos, as dirigências dos times envolvidos que sempre abaixaram a cabeça para tudo que lhes é imposto. Tudo o que rolou no domingo com a FIFA por trás e todos seus capachos somente veio fortalecer o argumento de final única em campo neutro.

A final em campo único em países distantes, além dos ingressos caros, exige agora pegar avião para poder acompanhar seus times de coração. Se já é difícil você ir numa final pelos preços absurdos, agora some passagens e gastos de estadia. As finais serão mais um meio de exclusão e imposição de como devemos torcer ou agir de acordo com os padrões impostos de cima para baixo.

Houve interesses de muitos poderosos que se aproveitam do futebol nos incidentes de domingo, se aproveitaram dos fatos para querer nos dizer que não somos civilizados e que o futebol europeu é o antro da ordem e de como se deve torcer, superdimensionam os conflitos nos nossos estádios como se fosse rotina e minimizam os conflitos ocorridos na Europa como se fossem exceções. Vale dizer que grande parte da mídia esportiva foi participante do assassinato da Libertadores e imposições de como se deve ser ou agir.


As revoltas e conflitos são fatos sociais além do futebol, e que devem ser observados como fenômenos sociais além do esporte. O que acontece com as pessoas dentro dos estádios são reflexos daquilo que se vive nas sociedades que vivemos, e nossas diversidades e particularidade dentro dos estádios devem ser preservadas, nossa forma de manifestar nossa paixão respeitada e não assassinadas como vem sendo feito ao longo dos anos.

Nossa forma de torcer e manifestar nossas paixões são motivos de incômodo para os de fora, não respeitam nossa diversidade e nos punem por sermos diferentes. As entidades querem nos colonizar e impor o que para eles é futebol e nos colocar como devemos agir e ser dentro e fora dos estádios.

O que foi acontecendo na Libertadores ao longo destes anos nos mostra que foram nos matando aos poucos, com requintes de crueldade, foram nos assassinando de maneira lenta. Nos mutilaram aos poucos e hoje falecemos junto com a morte da Libertadores do jeito que a amávamos e conhecíamos.


O simbolismo de levar a final a Madrid mostra o ponto final deste processo colonizador, a exemplo das invasões e imposições que sofremos ao longo dos séculos vimos no futebol. Nos roubaram tudo inclusive a final da Liberadores, nos saquearam e levaram até nossas finais do jeito que as conhecíamos embora.

Não será a mesma coisa a final em Madrid, muitos dos torcedores que poderiam ir a uma final em seus estádios não poderão ir a Espanha, ali será uma final para aqueles que podem pagar e alguns que terão que se endividar para poder acompanhar seus times.

O que nos resta é o que sempre aconteceu nos processos colonizadores ao longo da história, a resistência daqueles que amamos o futebol, dos torcedores que não aceitem estas imposições. Que algo que nos dê um sinal de esperança aconteça daqui até o dia 9, e que o futebol nos surpreenda de alguma forma.

Pois diante do colonizador sempre houve resistência, tomara que com o futebol não seja diferente.

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