por Claudio Lovato
– Está tudo bem, meu querido! – ele respondeu enquanto eu me acomodava no sofá da sala do pequeno apartamento em que ele morava.
– Tudo tranquilo! – ele acrescentou, para reforçar e, assim me pareceu, tentar convencer a si próprio de que aquelas palavras iniciais carregavam a verdade, ou ao menos alguma verdade.
– Vamos tocando a vida! – ele disse em resposta à minha pergunta sobre o que ele costumava fazer no dia a dia.
– Dou minha caminhada de manhã, todo santo dia. Depois faço alguma para comer em casa ou almoço no quilo do Waldemar, aqui embaixo, depois vou para uma sesta. Mais tarde desço para bater papo com os amigos, e à noite é futebol ou um filmezinho na TV. É mais ou menos assim.
Fazia um dia bonito de sol, e a claridade invadia toda a sala e a cozinha, separadas apenas por um balcão com tampo de mármore.
– Nos fins de semana dou uma chegada no bar do Gilson para tomar uma coisinha, que ninguém é de ferro. Mas tem que ser devagar, devagarinho, porque a saúde já não permite exageros. O mais importante é conversar com o pessoal, falar de futebol! – ele comentou quando perguntei sobre o que fazia aos sábados e domingos.
Ele calçava sandálias de couro cru com correias nos calcanhares. Vestia camiseta branca e bermuda jeans com bolsos grandes nas laterais. Estava em boa forma física, e o único incômodo que parecia enfrentar se localizava no joelho direito, que ele volta e meia esfregava.
Perguntei sobre os filhos.
– Eles moram longe, todos os três, um deles vive fora do país, acho que você sabe. De vez em quando eles aparecem, o Thiago traz as crianças, é uma festa! – tomei o cuidado de não mencionar em momento nenhum a esposa falecida.
Ele percebeu que eu olhava para os porta-retratos sobre a mesinha de centro. Eram muitos. Uma parte das fotos eram registros de momentos de família; a outra, imagens dele nos tempos de jogador, ao lado dos companheiros de então.
– É, meu querido, é assim mesmo. A verdade é que a gente acha que vai estar preparado para a hora de parar, mas nunca está! – ele disse, apontando para a garrafa térmica e arqueando as sobrancelhas, num oferecimento da segunda xícara de café, que recusei com um gesto.
– Mas um dia você simplesmente para, porque não dá mais, ponto final; não tem mais como continuar, e aí você se vê forçado a encarar uma nova realidade, a sua nova vida, em muitos casos o seu novo você! – ele disse, me olhando direto nos olhos.
– O seu novo você…. – repetiu, e então sorriu com indisfarçável amargura.
– Os resultados variam de pessoa para pessoa. Tem gente que toca a vida numa boa. Tem gente que se afunda. E tem aqueles que não pensam no assunto e assim conseguem ser mais felizes que os outros! – disse isso e sorriu de novo, e era aquele mesmo sorriso triste.
– Pensar demais geralmente não ajuda muito. “A gente acaba aprendendo isso na vida! – ele disse.
Conversamos mais um tempo sobre lembranças especiais: os títulos mais importantes, gols – que não foram poucos, considerando-se que ele havia sido volante a vida inteira, aliás, “centromédio”, camisa 5, sempre –, as convocações para a Seleção, os prêmios.
Então passeamos pelo apartamento, em cujas paredes disputavam espaço fotos dele vestindo a camisa dos quatro clubes que defendeu ao longo de toda a carreira. Em uma delas, ele aparecia ao lado do treinador que o havia promovido aos profissionais e com o qual trabalhou por muitos anos, em três clubes diferentes.
– Pois é, meu querido! O tempo passa mesmo… – ele me disse enquanto olhávamos para essa foto, nós dois lado a lado, de pé no corredor.
Em seguida, apontando para outra foto, posicionada um pouco mais ao fundo do corredor, uma foto em que ele aparecia com uma lata de cerveja na mão, só de calção, no meio de uma festa no vestiário após a conquista de um título estadual, ele disse:
– Pô, fui feliz pra caramba, rapaz! – e sorriu, dessa vez sem nenhum traço de melancolia.
Voltamos à sala, eu já me preparando para ir embora, juntando minhas coisas, quando ele contou, olhando pela janela para o sol que começava a se por, que, um dia desses, havia lido uma história – um conto – em que o autor dizia que a saudade é uma faca cega que te corta em fatias finas.
Saí dali me perguntando como escrever sobre tudo aquilo de uma maneira verdadeira e justa.
Cheguei em casa com uma tremenda vontade de ouvir Paulinho da Viola e tomar uma cerveja. Mais de uma. E foi exatamente o que eu fiz.
Parabéns belo texto fiquei aqui imaginando que deve ser de fato a vida de um jogador de futebol que encerrou a carreira, mais uma vez Parabéns