Foi um dos melhores parceiros de área de Ademir da Guia. Os dois juntos marcaram muitos gols pelo Verdão. Hoje é festa para César Lemos. Conheça um pouco mais sobre esse grande ídolo do Palmeiras nas linhas abaixo
por André Felipe de Lima
César não era fácil. Principalmente se o adversário fosse o Corinthians. Na semana que antecedia a partida contra o rival mor, provocava os jogadores alvinegros. Os zagueiros, coitados, eram os alvos das frases mordazes e debochadas do atacante palmeirense, que prometia gols e apostava sempre 10 contra um na vitória do Verdão. Os programas esportivos de rádio e TV não falavam em outra coisa.
César era um exímio vendedor, sobretudo de bom humor, e sequer desconfiava do outro talento que não fosse o de marcar gols. Fez muitos pelo clube do Parque Antarctica. Oficialmente, 180 gols em 324 jogos, dos quais ganhou 170 e empatou 91. Só Heitor, do Vecchio Palestra, das décadas de 1910 e 20, marcou mais vezes. Inclusive no clássico entre Palmeiras e Corinthians. No placar, 16 gols para Heitor e 14 para César, que de “maluco”, apelido que recebeu da torcida e que não gostava nem um pouco, não tinha nada.
Antes de os jogos começarem, se aproximava dos zagueiros — importunados por ele a semana inteira pela mídia — e perguntava se a família estava bem, os filhos, sogra, papagaio… essas coisas. Conversava amenidades e gesticulava. Da arquibancada, a impressão era de que César provocava ainda mais o adversário. A galera vibrava com as cenas do cabeludo centroavante do Palmeiras, que jogava futebol na mesma medida em que arrumava confusões. Jogando contra o Corinthians, o Palmeiras vencia por 1 a 0 e era muito pressionado. César chutou uma das duas bolas para a arquibancada, e a pelota sumiu. O Timão empatou no começo do segundo tempo, e como ele fez cera pra recomeçar a partida, foi expulso. Mas deu trabalho, pois levou a única bola para o vestiário, obrigando jogadores, comissão técnica e representantes da Federação Paulista de Futebol a buscá-lo no vestiário.
Foi suspenso e não disputou nenhuma partida do Brasileirão de 1972, vencido pelo Verdão.
César Augusto da Silva Lemos nasceu em Niterói, no dia 17 de maio de 1946. Irmão dos também centroavantes Luisinho Lemos, que brilhou no América e no Flamengo, e Caio Cambalhota, César iniciou a carreira no clube da Gávea, em 1962, aos 16 anos. Disputou 58 jogos, dos quais venceu 32 vitórias e empatou 18, marcando 38 gols.
No final de 1966, chegava ao Palmeiras por empréstimo. Em depoimento ao maestro e escritor Kleber Mazziero de Souza, César recordou sua chegada ao Parque Antarctica. “Nem me fale! Eu fui recebido bem demais. Fiquei encantado com o ambiente e com o time. Eu, garotão, carioca, cheio de saúde, de pique, estava louco para arrebentar. Cheguei e me senti em casa”. Mas, em janeiro, teve de retornar ao Rio porque o Flamengo teria de pagar uma taxa extra para negociar, definitivamente, o seu passe com o Palmeiras. Tudo acertado entre os dois clubes, César embarcou para Lima, onde se juntou à delegação alviverde, que excursionava pelo Peru. Aimoré Moreira escalou-o paulatinamente, ora na ponta-direita, ora como centroavante. Jornais como o tradicional Jornal dos Sports sinalizavam que o Verdão havia encontrado o herdeiro de Vavá. Vaticínio preciso. César firmou-se e foi fazendo gols seguidos contra Fluminense, Corinthians e Santos.
O currículo do camisa “9” no Palmeiras explica a admiração por parte da torcida: foram três Paulistões conquistados em 1966, 72 e 74, dois torneios Roberto Gomes Pedrosa, em 1967 e 69, a Taça Brasil, em 1967, e os Brasileirões de 1972 e 73. Foi artilheiro do Paulistão de 1971, no vice do Palmeiras, com 18 gols. O campeão foi o São Paulo.
O último jogo pelo Verdão foi contra o São Paulo, partida que terminou empatada em 6 de outubro de 1974.
César trocou os “parques”. Do Antarctica rumou para o São Jorge. Pelo Corinthians, disputou 37 jogos e assinalou apenas 8 gols. No primeiro jogo vestindo a camisa do arquirrival, em 2 de março de 1975, o centroavante perdeu um pênalti no último minuto de partida contra o XV de Novembro de Piracicaba, pelo campeonato paulista.
O craque peregrinou por Santos, Fluminense, de Feira de Santana; Botafogo, de Ribeirão Preto; Rio Negro, de Manaus; Universidad Católica, do Chile; Salonica, da Grécia e Fluminense, do Rio, no qual parou, em 1977. Pela seleção nacional, esteve no elenco da Copa do Mundo de 1974, na Alemanha. Vestiu canarinho em 11 jogos, com seis vitórias, três empates e um gol.
Abandonou a carreira nos gramados e iniciou a de técnico, mas sempre dividindo o tempo com a de vendedor de carros. Investiu em concessionárias, mas não deu certo. O resultado não o desanimou e permaneceu no setor, mas como funcionário de outras empresas.
O “ex-maluco” mora na capital paulista e, em 1988, arriscou-se na política após aceitar um convite do deputado Afanásio Jazadji para concorrer pelo antigo PDS a uma vaga na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Foi mal nas urnas, repetindo o fiasco no pleito de 1992. Creditou o insucesso eleitoral ao apelido do qual jamais curtiu.
Pai de três mulheres e já vovô, César já deu o ar da graça na TV fechada, como apresentador esportivo. E o programa levou seu nome: “César na área”.
Mas, em 2006, o grande artilheiro passou por um revés. Sofreu um grave acidente automobilístico na avenida Heitor Penteado, na zona oeste de São Paulo. Só Deus sabe como sobreviveu. Mas as sequelas foram inevitáveis. Fraturou uma perna e operou o quadril, tendo de caminhar com o auxílio de um andador. Ocaso infindável, César ainda submeteu-se a várias cirurgias no estômago. Outro baque forte foi a morte da esposa, em 2011, vítima de câncer.
Igualmente nos gramados, César sempre foi um camarada com uma garra incomum. Escapou da morte aos trancos e barrancos da mesma forma que escapava dos zagueiros. Mas sempre com aquele velho e inconfundível sorriso nos lábios. “Pois é, um sorriso nos lábios”, como cantava Gonzaguinha. César Lemos foi mesmo um maluco… um maluco beleza!
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