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CASTILHO, O MAIOR ÍDOLO TRICOLOR, FARIA 90 ANOS

27 / novembro / 2017

por Suellen Napoleão


São interessantes os desejos que temos ao longo da vida. Ademir de Menezes pedia insistentemente ao seu técnico do clube do colégio, em Recife, que o colocasse no gol. Queria agarrar de qualquer jeito, talvez para forçar o aumento na estatura a que tanto desejava. Carlos José Castilho, goleiro carioca de qualidade performática e técnica exímia, atuava como ponta-esquerda no Rivoli, em Olaria, e o destino de defender as redes de seu clube veio com uma vontade arrebatadora de, um dia, tornar-se um grande “goalkeeper”.

O pai de Ademir, seu Menezes, foi quem levou Castilho, em 1949, ao Fluminense. Era o “Leiteria” prestes a fazer história.

Família Marques de Menezes e família Castilho. Uma união que originou dois dos maiores e inesquecíveis ídolos do futebol brasileiro e, sobretudo, do Maracanã.

Castilho passou no teste de resistência emocional ao defender, num amistoso, a baliza do Rivoli, que foi alcançada nada mais nada menos que meia dúzia de vezes. Para uma estreia, nada mais frustrante. Mas há pessoas, com qualidades dignas dos deuses, que não desanimam diante dos embates e transformam os percalços em oportunidades de vitórias.


O carioca nascido no dia 27 de novembro de 1927 seguiu para os juvenis do Olaria, em 1945, embolsando um ordenado de 400 cruzeiros entre 1 de setembro de 1946 e 30 de setembro de 1947. Não tardou a proposta de negociação com o Fluminense e os cartolas tricolores pagaram 2 mil cruzeiros ao clube da Rua Bariri para contar com o jogador que valeria por um time inteiro.

Estreou no time de aspirantes das Laranjeiras contra o Fluminense, de Pouso Alegre (MG). Ainda em 1947, assumiu a titularidade no lugar de Robertinho.

Em sua primeira Copa do Mundo, em 1950, no gramado do Maracanã, Castilho foi reserva do goleiro vascaíno Barbosa. No Mundial de 1954, na Suíça, foi titular, mas em 1958, na Suécia, e em 1962, no Chile, foi reserva de Gilmar dos Santos.

Ao goleiro tricolor foram atribuídos apelidos alusivos à boa sorte (“Leiteria”, “Leiteiro”) e para os torcedores que vibravam com suas defesas ele era o ” São Castilho”. Colega de concentração da seleção brasileira na Suécia, em 1958, Garrincha desvirtuou a série de apelidos sortudos e, bem-humorado, apelidou Castilho de “Boris Karloff”, ator famoso que protagonizou inúmeros filmes de terror em Hollywood.


Castilho foi o primeiro a estudar como os cobradores batiam pênaltis. A sorte dele, aliada à capacidade técnica e ao aperfeiçoamento profissional constante, rendeu-lhe, como titular, a conquista do Pan-Americano de Santiago, contra o Uruguai, em 1952. Sofreu 28 gols em 29 partidas pela seleção.

A sina de contundir pela quinta vez o dedo mindinho da mão esquerda, em 1957, não abalou o goleiro. Ao saber que o tratamento o deixaria dois meses “de molho”, Castilho não pensou duas vezes. Optou pela alternativa que o permitiria voltar aos gramados em apenas duas semanas: a amputação do dedo. “Estudaram o caso e resolveram que um enxerto ou correção do eixo seriam medidas aconselháveis. O fato concreto é que, no meu entendimento, meu dedo continuaria imóvel, e isso me roubava a autoconfiança”, disparou o “Leiteria”.

Contrariando o médico das Laranjeiras que o operou e que o chamou de louco pela decisão, Newton Paes Barreto, e a própria esposa, Castilho comprovou que a sorte andava mesmo ao seu lado. A operação deu certo e, depois disso, conquistou o Bicampeonato Mundial.


As inúmeras contusões no dedo, no nariz, no maxilar e no joelho nunca fizeram de Castilho um derrotado. Isso sem falar no daltonismo que o fazia enxergar as bolas sempre com a cor vermelha. Para o próprio Castilho, o daltonismo seria decisivo (sic) para que fosse tão bom embaixo das traves, embora o problema se acentuasse em jogos noturnos.

Treinava incansavelmente e deu a maior prova de amor que um jogador pode dar a seu clube. Dedicou-se ao Fluminense de corpo, alma e sangue, e no dia 20 de outubro de 2006, ano em que o jogador completaria 60 anos de sua estreia, recebeu da diretoria tricolor um presente digno de sua grandeza de espírito. Um busto de Castilho foi erguido na sede do Clube, com uma placa que diz o seguinte: “Suar a camisa, derramar lágrimas e dar o sangue pelo Fluminense, muitos já fizeram. Sacrificar um pedaço do próprio corpo por amor ao Tricolor, somente um: Castilho.”

Arrebatou os campeonatos cariocas de 1951, 59 e 64 e o torneio Rio-São Paulo de 1957 e 60. Em 1952, conquistou a Taça Rio, organizada no Rio de Janeiro, mas sem o reconhecimento oficial da Fifa. Castilho defendeu ainda o Paysandu, em 1965, quando consagrou-se campeão estadual.

Seguiu em sua trajetória no futebol, treinando o próprio Paysandu, onde conquistou o campeonato paraense em 1967 e 69. Comandou também o Operário do Mato Grosso do Sul e à frente do Santos foi campeão paulista, em 1984. O mesmo Santos que um dia o quis goleiro na Vila Belmiro. Mas não teve conversa. O cartola tricolor Dilson Guedes encerrou: “Castilho é absolutamente inegociável”.

O hércules dos campos não mostrou-se tão forte diante de uma depressão que o levou ao suicídio, quando pulou da cobertura do prédio de sua esposa, em Bonsucesso, no Rio, em 2 de fevereiro de 1987. Nessa época, Castilho comandava a seleção da Arábia Saudita.

Uma frase do filósofo Friedrich Nietzsche define a vida de Castilho, que superou a amputação de uma parte do corpo em prol de seu trabalho digno e fiel: “O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte”.

***

Esta linda narrativa sobre Castilho, que faria 90 anos nesta segunda-feira (27), foi escrita pela jornalista e atriz Suellen Napoleão, minha companheira de jornada e meu grande amor. Tricolor desde tempos imemoriais, Suellen tem Castilho como seu grande ídolo e se dispôs a ajudar-me em um antigo projeto editorial, que não foi publicado, mas que está pronto desde 2010, quando o Estádio do Maracanã completou 60 anos. A obra contaria a vida dos maiores monstros sagrados que pisaram no gramado do “maior estádio do mundo” desde a Copa do Mundo de 1950 e citaria os jogos em que os craques brilharam mais intensamente.

Suellen Napoleão é autora do livro “O JORNALISTA GILBERTO FREYRE: A FUSÃO ENTRE A LITERATURA E A IMPRENSA”, Editora Luminária Academia, de 2015.

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