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CANELADAS E GOLAÇOS DE AGNER

23 / junho / 2024

por Zé Roberto Graúna

No início dos anos 1970, um garoto de apenas 13 anos chamou a atenção no diário
carioca O Jornal.
Mais precisamente, nos primeiros meses de 1973, o menino Luiz
Carlos Agner Caldas, tornou-se colaborador do Jotinha, suplemento juvenil de O
Jornal, quando publicou alguns depoimentos, cartas, quadrinhos e chegou a ser tema de
um artigo de página inteira, na qual o artista mirim foi apresentado como um desenhista
juvenil que despontava com talento e criatividade. O Jornal, uma das publicações dos
Diários Associados, de Assis Chateaubriand, era bastante popular no Rio de Janeiro e
tornou Agner conhecido entre seus leitores, especialmente com suas histórias em
quadrinhos. Com seus personagens Gileno (inspirado em seu irmão mais novo) e o
divertido Breu, um inseto que aparecia nas cenas desenhadas dentro de quadros em
formato de folhas, numa autêntica “história em folhinhas” (muito criativo e atual),
Agner teve um início de carreira de fazer inveja a qualquer veterano.

Apenas três anos depois, em agosto de 1976, ainda menor de idade, Agner teve sua
primeira charge publicada no semanário O Pasquim, quando, aproveitando que os Jogos
Olímpicos de Montreal tomavam conta do noticiário, desenhou uma charge de uma
família tentando saltar sobre a inflação, na modalidade salto com vara. Curiosamente, o
desenho saiu com o título “Olimpíada da Vida” num quadro desenhado pelo cartunista,
mas que foi riscado pelo Ziraldo. Na legenda, ficou o título “Olimpíadas do 3º Mundo”,
mas quem fez a arte final da página esqueceu de remover o quadro riscado pelo criador
do Menino Maluquinho. Coisas de uma época, quando jornais eram montados
artesanalmente com tesoura e cola.

Ainda em 1976, o jovem artista faturou um prêmio de 10 mil cruzeiros, quando foi
agraciado com o 1º lugar no concurso de monografia promovido pela Telebrás,
“Graham Bell – O Telefone e sua importância social”, que era destinado aos estudantes
matriculados no 2º grau e foi criado para marcar o centenário da invenção do telefone e
os 4 anos da empresa. Agner destacou-se ao utilizar de seu talento como desenhista de
histórias em quadrinhos sendo, por conta da premiação, destaque em artigo ilustrado na
revista Sino Azul, da antiga Telerj.

Em 1979, levado pelo cartunista Nani, Agner chegou ao Jornal dos Sports, em 1º de
fevereiro, quando desenhou uma charge apresentando as dificuldades do Vasco da
Gama em renovar o contrato de Roberto Dinamite, o maior ídolo e artilheiro do
cruzmaltino. Como um colunista diário, as charges do humorista eram apresentadas com
o título de “Canelada”, e divertiam os leitores de terça a domingo. Inicialmente, as
charges de Agner circularam na página 3, mas a partir de março, foi fixada na página 2,
a mesma onde diariamente saía a coluna “Ataque e Defesa”, de Ruy Porto, na época um
dos jornalistas mais respeitados da crônica esportiva carioca.

O tradicional espaço que antes fora habitado pelo argentino Molas, e os brasileiros
Otelo Caçador, Henfil e Nani – a quem substituiu, foi ocupado pelo artista, que
manteve-se no diário esportivo carioca por 10 anos, chegando a cobrir a Copa da
Espanha, em 1982, desenhando charges e caricaturas que imortalizaram a Seleção
Brasileira de Zico, Sócrates e Falcão, que era comandada pelo treinador Telê Santana.
Parte destas charges foram selecionadas e editadas no livro Pra Frente Brasil – As
Charges da Copa, que teve o prefácio do vascaíno Sérgio Cabral (o verdadeiro!), e

lembrou em seu texto que o cartunista, que iniciara sua trajetória usando calças curtas,
contava naquele momento apenas 22 anos, e já era um experiente desenhista de humor,
com ideias hilárias como o General Avelar (criado em parceria com seus colegas de
traço Hubert e Cláudio Paiva) para O Pasquim. Sérgio Cabral também lembrou o fato
de Agner ser torcedor do Flamengo, conforme Cabral, seu único defeito, porém,
recentemente, numa troca de mensagens com Agner, o cartunista nos confessou que
nunca foi daqueles rubro-negros mais fanáticos. O livro, que é hoje peça de coleção dos
aficionados por caricaturas, foi editado pela Codecri, a mesma editora do subversivo
semanário, apresentou em 98 páginas uma divertida coleção de charges que nos situam
sobre nossa Seleção na Copa da Espanha. A capa do livro exibia o escrete canarinho,
apresentando os ídolos em estupenda caricatura coletiva, onde se destacava o Doutor
Sócrates, munido de seu estetoscópio, “examinando” o coração teimoso de Telê
Santana. O desenho da capa foi tão feliz e divertido que, durante a Copa do Mundo, os
moradores de Vila Isabel o reproduziram numa daquelas decorações de rua, habituais e
tradicionais naquela década.

O futebol, nós sabemos, é um meio pouco ou nada progressista, mas nem por isso,
Agner deixou de fazer humor político, mesmo na página 2 do JS. O chargista carregava
a verve da geração de cartunistas criados durante a repressão política que cravou suas
travas nas canelas da democracia do país, a partir do golpe militar de 1964 e, sempre
que a oportunidade se apresentava, deixava suas piadas desenhadas cutucarem a
Ditadura e suas injustiças sociais. Quando da partida beneficente entre Flamengo x
Atlético-MG, jogo com renda destinada às vítimas das enchentes de 1979 que atingiram
a população de Minas Gerais, algumas charges do cartunista apontavam para outras
vítimas sociais ignoradas pelo futebol. Em outras situações, o chargista adaptava textos
e frases que eram usadas no período do governo do ditador João Baptista Figueiredo,
como “Anistia ampla, geral e irrestrita”, adaptando para situações do futebol, ou ainda
como quando desenhou bonecos como sendo jogadores do Vasco, na época com
salários atrasados, pedindo emprestadas placas de uma greve de trabalhadores durante
uma passeata. Influenciado pela geração Pasquim, Agner não perdia a oportunidade de
fazer humor político, mesmo num jornal direcionado ao alienado mundo do futebol.

Na mesma época do JS, Agner também teve importante passagem pela televisão,
quando desenhou algumas charges animadas para o noticiário Globo Esporte, da TV
Globo. Uma delas, gerou descontentamento de Zico, que tentava recuperar sua condição
física. Todos sabem que em 1985, após entrada criminosa do zagueiro Marcio Nunes,
do Bangu, Zico passou por idas e vindas por conta de seu joelho. Por um considerável
período, o Galinho sofreu com a contusão. O cartunista não perdeu a viagem e desenhou
uma charge animada onde um repórter entrevistava o joelho do Zico. Na cena, surgia do
joelho do atleta uma figura no pior estilo “bicho de goiaba” que, sorrindo, dizia: “É isso
aí, bicho!”. Agner lembra que o ídolo da Gávea não gostou muito e passou por um
período sem conceder entrevistas ao telejornal esportivo da emissora de Roberto
Marinho. Em 1986, de certa maneira, o artilheiro da Gávea deu boa resposta aos
humoristas e aos torcedores adversários, quando de seu retorno ao Flamengo, o craque
do Mengão enfrentou o tricolor das Laranjeiras, no Maracanã. Ao entrar em campo,
torcedores do Fluminense fizeram coro para provocar o Galinho e, em uníssono,
cantaram “Bichado, Bichado!”. Resultado: Flamengo 4 x 1 Fluminense, com 3 gols do
“bichado” ídolo rubro-negro.

Após ligeira mudança no perfil editorial do JS, que passou a dedicar maior espaço à
política e ao noticiário policial, as charges de Agner migraram para esses temas e
passaram a circular esporadicamente, em algumas edições saindo na primeira página ou
no caderno JS Notícias, com pauta mais temática na política do governo do “imortal”
José Sarney e seu “Marimbondo de Fogo”, o ministro Dilson Funaro. Nesse período,
Agner criou uma charge com Sarney, que apoiava as Diretas Já, mas em troca de mais 1
ano de mandato. No desenho, Sarney foi caricaturado com a camisa da campanha
enquanto fazia pose de fortão, gesto que, décadas depois, viraria a marca do artilheiro
Gabigol. Teria o cartunista criado uma charge premonitória? Bobagens à parte, aos
poucos, Agner parou com as charges e passou a publicar, a partir de maio de 1988,
sempre aos domingos, as tirinhas da personagem Bete Bola – A repórter Esportiva, uma
sátira que brincava com as raras presenças femininas na imprensa esportiva.
Apresentada como a “estagiária da Gozeta Diária”, a personagem fez graça até a edição
do dia 8 de janeiro de 1989, sendo este o último desenho de Agner no Jornal dos Sports.

Nascido no Rio de Janeiro no dia 7 de agosto de 1959, Agner formou-se na Faculdade
de Desenho Industrial, na Uerj; e concluiu Mestrado/Doutorado em Design Gráfico, na
PUC – RJ. Por anos seguidos foi figura marcante em salões de humor país afora, com
classificações em Niterói e Piracicaba, e premiações em Goiânia, quando foi agraciado
com uma charge sobre o atentado terrorista que atingiu o Riocentro, em 1981, e Rio de
Janeiro, no I Salão Carioca de Humor, da Sala de Cultura Laura Alvim, em 1988,
quando foi laureado com o Prêmio J. Carlos, e ainda faturou uma menção honrosa com
uma caricatura em homenagem ao Millôr Fernandes. Foi também destaque no Prêmio
Bola de Ouro, criado pelo saudoso jornalista José Jorge, que concedeu a Agner o
tradicional troféu instituído a partir de 1972 e que, por mais de uma década, tornou-se o
prêmio mais importante para os profissionais de comunicação esportiva. O cartunista
recebeu a Bola de Ouro em duas ocasiões, em 1983 e 1985, nos XII e XIV Troféu Bola
de Ouro, respectivamente.

Atualmente, o artista trabalha como designer gráfico na área de marketing do IBGE –
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e leciona na escola de comunicação da
Facha – Faculdades Integradas Hélio Alonso, e pós-graduação à distância em UX
Design da Universidade Mackenzie. Na internet, o leitor do Museu da Pelada pode
acompanhar o trabalho acadêmico de Agner como professor, no site www.agner.com.br.

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