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Campeões de 92

30 / julho / 2017

CAMPEÕES DE 92

texto e entrevista: Marcello Pires | vídeo e edição: Daniel Planel 

Um por um eles foram chegando à Gávea. Uns ostentando uma forma física de causar inveja a muito boleiro da atualidade, outros tentando esconder uma barriguinha saliente, mas a alegria e a química que dentro de campo encantaram os torcedores rubro-negros na conquista do pentacampeonato brasileiro ainda estavam ali. Cristalinas, intactas. Após 25 anos daquele 19 de julho de 1992, um domingo que começou trágico com o rompimento de quase 13 metros de grade no primeiro andar da arquibancada, causando a morte de três pessoas e ferindo outras 82, e terminou em festa no gramado do Maracanã, os improváveis heróis comandados pelo saudoso Carlinhos foram justamente homenageados pela atual diretoria do Flamengo, representado pelo presidente Eduardo Bandeira de Mello, que abriu e encerrou a cerimônia.


Entre um aperto de mão e um abraço apertado de quem já não se via há mais de duas décadas, as gozações seguidas de gargalhadas e uma imensidão de lembranças marcantes deram o tom da festa. Com exceção do técnico Carlinhos e do atacante Gaúcho, que nos deixaram em 2015 e 2016, respectivamente, além de Uidemar e Marcelinho, que não compareceram, todos os campeões de 1992 estavam ali. Saudosos e em êxtase, simplesmente por terem sido lembrados num país sem memória e que pouco valoriza seus ídolos do passado.

– Eu não quero ficar aqui me vangloriando, mas já conquistei muitos títulos. Fui campeão do mundo, ganhei cinco Brasileiros, quatro Copas do Brasil, uma Libertadores, e nunca tinha recebido uma homenagem como essa. Só posso agradecer ao Flamengo, que foi onde tudo começou e é a minha segunda casa – disse um emocionado Zinho.

Quem também se emocionou e emocionou a todos, principalmente o ex-meia Djalminha, que não segurou as lágrimas, foi Inês Galvão. Viúva do atacante Gaúcho, um dos destaques daquela conquista, a atriz agradeceu ao Flamengo e ao maestro Júnior pela homenagem ao ex-marido e lamentou ele não estar vivo para poder sentir o amor dos rubro-negros por ele. 


– Achei muito bacana quando o Júnior me chamou para que nós viéssemos receber essa homenagem. O Gaúcho antes de tudo era um flamenguista e tinha muito orgulho de ter jogado pelo Flamengo. Ele tinha muito orgulho de vestir essa camisa, de ser o centroavante daquele time e de ser um ídolo do Flamengo, embora ele não tivesse a exata noção do quanto era amado pelos torcedores. Por isso, me sinto muito honrada e tenho certeza que se ele estivesse aqui conosco também estaria com essa homenagem. Passa um filme na cabeça, desde quando o Júnior falou comigo sobre essa homenagem que fiquei lembrando de toda a trajetória dele no Flamengo. Foi uma história muito bonita que ele construiu aqui. Aquele título foi muito especial, Nós temos um memorial em casa e a foto que ele mais gostava era a do time de 92. Foi uma pena que ele tenha ido embora tão novo e não possa estar conseguindo ver tudo isso. Tomara que sim, pois a partida dele foi um choque muito grande e talvez ele não tenha tido essa dimensão – disse a viúva do atacante, que marcou 100 gols em 200 jogos pelo Flamengo.

Maestro e jogador mais experiente daquele grupo, Júnior ressaltou a mescla dos mais velhos com a qualidade da molecada que havia conquistado a Copa São Paulo de Juniores. Último remanescente daquele timaço que marcou época de 78 a 83, o jogador que mais vezes defendeu o Flamengo não considera aquela conquista uma surpresa.


– Acho que a surpresa foi só para as pessoas que não trabalhavam aqui e não sabiam o que estava acontecendo, principalmente na fase final do campeonato. Me senti com uma responsabilidade grande porque era o último remanescente da época de ouro do Flamengo e junto com essa garotada vínhamos das conquistas da Copa do Brasil e do Estadual, além da Copinha que eles tinham ganhado. Acho que tudo isso aumentou ainda mais nossa responsabilidade na fase final. Eu sempre fui o irmão mais velho, aquele que dava os conselhos e que dizia as coisas que iriam acontecer na vida deles e que eu já tinha passado. Ainda tivemos um comandante acima da média que era o Carlinhos, que conhecia muito bem eles. Acho que essa mescla com Gilmar, Gottardo e nosso saudoso Gaúcho, onde fizemos uma espinha dorsal, e essa molecada que veio junto acabou sendo determinante para nosso sucesso. Sem dúvida foi uma geração que poderia ter dado muito mais frutos do que deu naquele período. Muitos deles foram brilhar em outros clubes e viraram ídolos – explicou o Maestro Júnior.

Outro pilar daquela conquista, Piá também agradeceu a homenagem e diz que não tem como esquecer o chocolate no primeiro jogo da decisão, quando os rubro-negros marcaram três gols em apenas 23 minutos. 

– Temos que comemorar sempre. Para mim foi uma conquista muito especial, jamais vou esquecer aqueles 3 a 0 contra o Botafogo, foi um dos melhores jogos que fiz na minha carreira – lembrou, saudoso, o ex-lateral-esquerdo rubro-negro.

Autor do segundo gol do Flamengo na decisão, Nélio recorda que o fato de o grupo ser composto por mais de sua metade com jogadores formados no clube fez toda a diferença na reta final da competição. Segundo o camisa 10 daquela conquista, a molecada queria mostrar serviço e que poderia ser útil ao clube após a saída de alguns veteranos. 

Se Nélio permaneceu, Paulo Nunes não. Mesmo contra sua vontade, o camisa 7 lembra que, assim como Marcelinho e Djalminha, foi obrigado a deixar o clube. Mas nada disso é capaz de manchar sua participação na conquista de 92. Eternamente grato ao técnico Carlinhos por ter lhe dado a primeira oportunidade nos profissionais, o atacante destacou a união daquele grupo e fez questão de lembrar do amigo Gaúcho.


– Nós somos muito amigos até hoje e estamos sempre nos falando. Não só os meninos, mas os mais velhos também. Todos nós tivemos grandes histórias em outros clubes, mas foi aqui que começou tudo. Aqui é a nossa origem, eu comecei aqui com 13 anos e tomei muito puxão de orelha do Maestro, do Gilmar e do Gottardo. Ninguém queria sair do Flamengo na época, mas fomos tirados do clube, podíamos ter dado muito mais. Mas é a vida, faz parte. Eu sou um funcional Gaúcho boy, era um cara que eu tinha como um irmão, um parceiro, meu ídolo e cobrei a Inês que temos que nos ver mais. Ele foi um irmão que me ajudou e me criou, um pai amigo, que me levava para as festas, que me mostrou o Rio de Janeiro, me mostrou a alegria de jogar futebol, aprendi todas as minhas comemorações e meus devaneios com ele. Eu andava com ele em Goiânia e ele não tinha noção de que ele era o Gaúcho do Flamengo – afirmou, emocionado, o atacante.

Se Paulo Nunes e Gaúcho eram os mais extrovertidos e gozadores do grupo, Charles Guerreiro era um dos mais calados. Natural de Belém, do Pará, o volante que se firmou como lateral direito era um dos mais felizes e emocionados com a homenagem. Um dos mais experientes do grupo, Charles lembrou com carinho da conquista e das vítimas que acabaram perdendo suas vidas naquele domingo de emoções fortes e distintas.


– Esse título ficou na história do clube. Vim lá do norte de Belém do Pará, em 91, e lembro que quando cheguei ao encontrei aquela mística “de que craque o Flamengo faz em casa”. Fico muito feliz de ter saído de um clube pequeno, chegado ao Flamengo e conseguido participar do pentacampeonato brasileiro e me tornar ídolo do clube. É o grande título da minha carreira apesar daquela tragédia muito triste ocorrida no Maracanã. Foi difícil para todos os jogadores entrarem em campo, mas de uma certa forma aquele episódio nos deu uma motivação extra e entramos com mais vontade ainda de homenagear aqueles torcedores. Mas nós sentimos muito por eles, pois poderiam ser pessoas da nossa família – lamentou Charles Guerreiro, que chegou à seleção quando defendia o Flamengo.

Dois dos sobreviventes daquela terrível tragédia, Charles Gonçalves e Gabriela Tereza não conseguiram esconder a emoção. Numa mistura de sensações, eles agradeceram ao Flamengo e voltaram 25 anos no tempo para finalmente viver aquela decisão. 

– Primeiro temos que agradecer ao Flamengo pela lembrança, é sempre bom participar dos eventos do clube, mas nosso vínculo é de paixão. O clube segue a vida dele, e nós a nossa paixão. Mas foi legal as homenagens a esses jogadores, principalmente à Inês Galvão, esposa do Gaúcho, que era o nosso herói e o cara que colocava as bolas para dentro. A recepção foi maravilhosa e só temos que agradecer ao clube por ter nos proporcionados esse momento ao lado dos jogadores. Nós fomos juntos ao jogo e estamos juntos aqui – recordou Charles.

Mais emotiva que o amigo, Gabriela lembrou do amigo Fred, uma das três vítimas fatais daquele 19 de julho. 


– É muito bom ver todos juntos novamente, alguns são meus amigos, levo essa amizade por muito tempo. O Sávio morou na concentração do Flamengo por muito tempo, do lado da minha casa, estou sempre com o Júnior no Carnaval, mas é bom ver todos juntos novamente e lembrar-se de um jogo que nós não assistimos. O nosso jogo foi hoje e por alguns momentos nós esquecemos aquele momento triste. É um dia muito difícil porque hoje faz 25 anos que o Fred morreu, Mas nós somos Flamengo, que é uma religião e muito maior do que qualquer coisa. Vou contar para minha neta que conheci todo mundo e que tive o prazer de estar aqui nessa noite tão especial – disse, emocionada e com a voz embargada, Gabriela, que batizou o filho com o nome do amigo morto na tragédia.

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