por Rubens Lemos
O América arquitetou e executou seu próprio inferno ao cair de novo para a Quarta Divisão. Peço licença, primeiro, para viajar de volta ao paraíso. No Dia de Finados de 1997, domingo, o América estava vivo e em estado de graça.
Sua torcida bateu palmas para o time após a primeira (e única) derrota em casa na Série A do Campeonato Brasileiro de 1997. O São Paulo ganhou de 3×1, três gols do estilista centroavante Dodô. Richardson fez o gol rubro. O América terminou sua heroica jornada em 16º lugar com 30 pontos ganhos, nove vitórias, sete empates e nove derrotas.
A imagem dos jogadores saudados com euforia terminava uma campanha iniciada como condenados sumários ao rebaixamento é uma das principais do painel emocional do assassinado Estádio Castelão (Machadão).
O sol brilhava enquanto Gito, ex-pescador e maior destaque da equipe com nove gols de falta com sua patada canhota destruidora de adversários, tinha a camisa pedida como súplica pelos torcedores, maioria em pranto convulsivo.
Enquanto o América mostra falta de futebol e vergonha na cara com o retorno imperdoável para a Série D, recordar aquele time de 1997 é expor às novas gerações que o América atual não é o América verdadeiro em sua essência de grandeza.
O América de 1997 venceria o América de 2023 por uns 11×0. Era um belo time treinado por Júlio César Leal, experiente e campeão mundial de juniores de 1993 comandando a seleção brasileira. O time-base: Emerson; Dinho, Marcelo Fernandes, Gito e Dennys; Montanha, Carioca, Moura e Biro-Biro; Richardson e Gian.
Esse time, diante da covardia do presente, seria uma seleção brasileira vestida em vermelho e branco. O América não quis saber do Vasco de Edmundo(0x0), com o Animal estrelando triste episódio de preconceito ao ser expulso e chamar o juiz de “Paraíba”, do Grêmio, então ostentando o título nacional de 1996, do Corinthians (SP), do Botafogo(RJ), do Fluminense(RJ), do Bahia(BA, do Goiás(GO), do Guarani(SP) entre tantos competidores de alto nível à época.
O América era, sobretudo, um clube aberto. Presidido pelo hoje desembargador Eduardo Rocha, homem de sangue o olho, legítimo representante da família Rocha, da qual despontou a disputa de irmãos – Bira e José, nos inesquecíveis shows dos anos 1970.
O América de 26 anos atrás, sem as ferramentas de marketing atuais, era embalado pela música Vermelho, na voz de Fafá de Belém, também hino da vitoriosa candidata a prefeita de Natal, Wilma de Faria (PSB) derrotando a hoje governadora Fátima Bezerra (PT).
O Rio Grande do Norte, em geral, era muito melhor de se viver. O sertão recebia as águas das adutoras construídas pelo governador Garibaldi Filho (PMDB), indecifrável alcance social. Natal dançava ao som de eventos musicais sucessivos, culminando com o Carnaval, micareta que sacudia o povo nas imediações do Castelão(Machadão).
Deixemos o time de 1997 no pôster da sala, da parede do botequim, no quarto do casal, pendurado no coração americano. É fundamental dizer que o América pagou pelos seus erros e sua ganância. Contratou boleiros sem a mínima categoria, trouxe o técnico Dado Cavalcanti quando não havia tempo nem time para reagir.
Pior: o América tornou pauta principal sua adesão à Sociedade Anônima de Futebol (SAF), modelo de gestão ainda incipiente no Brasil e algumas vezes de resultados lastimáveis. A diretoria, comandada pelo maior ídolo do clube desde 1915 – Souza, tornou-se Ministério do Silêncio, distante de tudo e de divididas na imprensa.
O América deve começar já a traçar a volta à Série C, acabar com essa gangorra tragicômica de subidas e descidas. O América, que vai ser empresa com todos os seus limites impostos aos seus amantes, passou cinco anos (2017/22), terríveis.
A nova e implacável queda à Série D, gerou deboche do torcedor do ABC – também sem nenhum motivo para festejar nada. Infame a farpa: “Ô, o campeão voltou, o campeão voltou, ÔÔ”. O inferno é o destino, América. E a culpa é só sua.
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