por Paulo-Roberto Andel
Um dos dias mais bonitos de futebol que já vivi tem mais de 30 anos e não foi com o meu time, nem no estádio.
A decisão do Campeonato Carioca de 1989 poderia ter duas ou três partidas, conforme os resultados. No primeiro match, num domingo, Botafogo e Flamengo empataram em 0 a 0. O segundo jogo, previsto para quarta-feira, 21 de junho, poderia não ser o último da competição – e por isso o Maracanã não ficou abarrotado naquela noite histórica, pois muita gente preferiu esperar que desse empate para uma grande final no domingo. Naquele tempo, cerca de 56 mil pessoas eram um Maracanã à meia boca – hoje é lotação absoluta. Eu mesmo, jovem estudante de 20 anos, preferi economizar um dinheirinho pra ver no que dava, perdi a chance de um jogo fantástico in loco mas depois lucrei muito. Agora, se o Maraca não encheu, a cidade do Rio de Janeiro parou para ver a decisão na TV.
Num jogo com os corações a mil, os dois times eram seus próprios escudos se digladiando na grama imortal do Mário Filho. Tome lá, tome cá, tensão e nervosismo. No segundo tempo, o Flamengo teve uma falta a seu favor e Zico cobrou com enorme perigo para Ricardo Cruz, fazendo a arquibancada dar aquele suspiro de UUUHHHHHH. A seguir o camisa 10 da Gávea deixou o campo, como se fosse uma senha para o que viria.
Logo depois, o saudoso Mazolinha desceu pela esquerda e o cruzamento encontrou Maurício, ponta com vocação de centroavante. Gol! Gol que seria definitivo. O gol que tiraria o Botafogo para sempre do jejum de 21 anos sem conquistas.
Perto do final, mesmo na TV, o jogo deixava a gente com os nervos à flor da pele. Era visível a enorme comoção dos jogadores em campo, da torcida alvinegra no estádio e a multidão por toda a cidade. Naquele 21 de junho, tirando os rubro-negros, todo mundo foi botafoguense por uma noite. Valter Senra encerrou o jogo e muitos olhavam incrédulos uns para os outros: o jejum acabou! Acabou! Eu também fiquei contente.
A festa se espalhou pelo Rio. A zona sul virou a noite com bares abertos e batalhões de botafoguenses indo e vindo sem parar. Merecido.
E aí, meus amigos, é que veio a linda cena para mim. Fui dormir, tinha aula cedo no dia seguinte. Acordei, peguei meu ônibus 434 e fui para a UERJ. Tudo ia tranquilo, sete da manhã, quando chegamos ao viaduto Pedro Álvares Cabral, na antiga sede do Botafogo, o Mourisco.
O ônibus parou.
Quando vimos, estávamos perto da parte mais alta do viaduto, mas sem poder passar: centenas de botafoguenses estavam deitados ou ajoelhados no caminho, afora outras centenas rolando e chorando por toda a Enseada de Botafogo, num imenso Woodstock do futebol. Finalmente, a torcida do Botafogo encontrava a paz, deitada em berço esplêndido no lugar que encantou portugueses e outros europeus desde o século XVI.
Demorou um tempo para que passássemos, mas eu nem liguei: ficaria ali tranquilamente. Saboreei cada instante. Vi famílias abraçadas, casais apaixonados, amigos abraçados, muita gente chorando de alegria e foi algo tão bonito que, 35 anos depois, também me faz chorar. Não era só um dia de título, mas também de superação e glória. Dia em que o futebol não era só vitória, mas vida. Dia em que o Rio de Janeiro acordou super carioca.
Na UERJ, procurei meu amigo Alexandre Gomes para lhe dar um abraço de parabéns, mas não o encontrei pela manhã. Nem havia como ter aulas, o campus só respirava Botafogo, Maurício, Mazolinha, Josimar, Mauro Galvão, Valdir Espinosa.
Hoje em dia não é um trajeto que faço comumente, mas toda vez que eu subo o viaduto e vejo a Enseada, me vem à mente aquela multidão que me marcou para sempre, porque ali, botafoguenses ou não, todos vivemos um amanhecer de beleza e poesia em nome da bola.
Sou paraense e me tornei botafoguense em 95,acho que não preciso explicar o porquê,mas esse texto é uma das coisas mais bonitas que li na vida!Queria estar lá com essa galera rolando,abraçando e chorando!