por Zé Roberto Padilha
Jogava em Campos, no Goytacaz FC, quando Baianinho chegou ao clube em 1984. Ex- jogador do Corinthians, a despeito do que possa ter acontecido em sua passagem por lá, o fato de ter vestido uma camisa tão carismática o credenciava a ir buscando emprego Brasil afora. Na pior das hipóteses, conseguiria uma semana de testes para suprir a curiosidade diante de tão suntuoso item cravado no seu currículo. E mesmo fora de forma, com 28 anos e meio gordinho, conseguiu autorização para mostrar seu futebol em dois coletivos. Cobra criada, se saiu muito bem, mas melhor ainda se portou seu empresário: no lugar de ficar ao lado da diretoria para apresentar seu jogador, foi para as arquibancadas se misturar aos aposentados e desocupados torcedores do clube, que todas as quartas e sextas assistiam nossos coletivos. Era o Baianinho pegar na bola que o grupinho se inquietava, batia palmas quando acertava um simples toque lateral. E desculpava seus passes errados com um “Valeu, Baianinho!”, bem nítido.
Enquanto o treino corria, o empresário dissertava para a galera as proezas do seu jogador. O passe que deu para o Sócrates fazer um gol contra o São Paulo, do gol que ele próprio marcou contra o Juventus, na Rua Javari. E quanto ao Zé Maria? Quem não conhecera o ex-lateral da seleção brasileira, o Super-Zé, ficou sabendo que ele tinha o maior carinho pelo Baiano. No Corinthians, eram como irmãos. E o azar que ele deu? Moço bom, família para criar, o fato é que com 20 minutos de treino a arquibancada, unânime, o queria não só vestindo a camisa 7 do Goytacaz, como escreveriam para o Globo Esporte exigindo assistir seus gols pelo Baú do Esporte.
Aos 30 minutos, o Baianinho meteu um gol e eu, dentro de campo, por mais acostumado que estivesse com a extensão que o burburinho ia alcançando, fiquei assustado com tamanha gritaria. Como era seu primeiro coletivo, achei que ele tinha trazido a família inteira, o que era comum, mas com os comentários surgidos antes do segundo treino falavam sobre seu empresário e seu inédito estilo de vender sua mercadoria, eu tive que me curvar ao talento de ambos. Pois, mesmo contando com dois pontas direitas, o nosso presidente se viu na obrigação de atender “ao clamor da massa”, que já ganhava as rádios e os jornais de Campos, e o contratou por um ano.
Até que não foi mal o Baianinho. Uma pena que a sua intimidade com a bola não ficasse apenas na habilidade e domínio – ela ia além e ambos se confundiam no formato. Mesmo quando atingiu o melhor da sua forma por lá, a balança ainda marcava dois acima, e era uma luta sem tréguas com o peso que foi cedendo a favor da Filizola na medida em que foi se desmotivando.
Preterido por Pinheiro, nós acabamos sem poder contar com seu grande futebol. Mas não foi pelo seu talento, gordura ou folclórico empresário que estou escrevendo sobre sua passagem pelo Goytacaz, que está de volta à primeira divisão do Campeonato Carioca de 2018. Escrevo sobre uma entrevista que deu para a TV Norte Fluminense, subsidiária da Globo, em horário nobre.
Indagado se a falta de jogos poderia comprometer sua forma física e técnica, Baiainho respondeu que o perigo era o “relaxismo” que poderia acontecer com ele. Se fosse jornalista, ainda passava, poderia até ter seu neologismo assimilado pelo próximo Aurélio, mas foi proferido num clube de futebol, onde o regime sobrecarregado de homens convivendo juntos por muito tempo não é capaz de perdoar tais deslizes.
E pegaram no pé do Baiano. Era um tal de relaxismo pra cá, Baiano você, calado, é um novo Castro Alves, que ele recorreu em ultima instância a sua esposa, que era professora. Ela fez o que pôde, recorreu até a Barsa do vizinho, e só encontrou relaxada, relaxante – relaxismo que era preciso para relaxar seu tenso marido, nada. Mas sugeriu uma saída inteligente: alegar que era uma força de expressão comumente usada em sua terra natal.
Dia seguinte, ele piorou ainda mais as coisas tentando se explicar. O clima era de deboche e ele não resistiu: De gozador e brincalhão, se encolheu. E seu comportamento introvertido nada ajudou seu futebol, que se encolheu também. Foi para o fundo do ônibus e se instalou na ultima poltrona, pouco queria conversa e sua voz só voltamos a ouvir em Itaperuna, após um Goytacaz 2×1 Seleção local.
O vendedor de picolé, atendendo seus insistentes apelos, pois sua sede era maior que a de todo mundo, parou embaixo de sua janela. Jorge Luiz, nosso goleiro, quatro poltronas adiante, gritou para o Baianinho comprar um picolé para ele. E o Baiano, em péssima fase literária, perguntou alto: “De que marca?”. Jorge Luiz nem deixou quicar. E devolveu para delírio da massa: “Fiat!”.
Novo caos. Alguém disse para ele continuar com seu relaxismo, que era melhor e doía menos aos ouvidos. Essa palavra, que ele mesmo criou, parecia descontrolar o Baiano, que voltou a xingar a sede do clube, que era pequena e só poderia abrigar gente pequena e sem respeito. Nova introspecção. Baianinho deixou o Goytacaz três meses depois. Fez muitos amigos, quatro gols, mas não conseguiu apagar do placar do Estádio Ari de Oliveira e Souza sua adversidade maior: Relaxismo 1×0 Baianinho. Placar Final.
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