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ATERRO NA VEIA

23 / junho / 2017

por Sergio Pugliese


Da esquerda para a direita: Jacaré, Hugo Aloy, Xanduca, Carlos Stern, Tonico, Filé, Zé Brito, Joel Santana, Luisinho, Joaquim, Roni e Sergio Pugliese. Agachados, Dinoel Santana e Álvaro Canhoto.  

O comodoro do Caiçaras, Zé Brito, chegou cedo ao clube para conferir os mínimos detalhes. Esticou a toalha, lustrou os talheres e ajeitou os guardanapos. Nada podia dar errado. Também caprichou no cardápio: moqueca de frutos do mar e congro rosa, e pudim de leite para fechar com chave de ouro! Escalou Tavares Bandeja de Ouro para a cerimônia e sentou-se, ansioso, para aguardar os convidados que há mais de 30 anos não via, todos rivais nos memoráveis campeonatos do Aterro do Flamengo, nas décadas de 60 e 70.

– Tenho que tratar bem os meus eternos patos – brincou ele, estrela do Milionários, campeão em 1972. 

Patos?? Aí, Zé Brito pegou pesado! Mas nossa equipe conhece o lateral de outros carnavais. Considerado um dos gênios do soçaite, ele mantém intactos o bom humor e os quilinhos dos áureos tempos. Sorte a dele o primeiro convidado não ter ouvido essa gracinha de “patos”, afinal o gigante Luisinho sempre intimidou só de olhar. E cara a cara com o símbolo maior do Embalo do Catete, Zé Brito mudou o discurso.

– Esse aqui dava gosto de ver jogar e o chute era certeiro!

Luisinho era o cara! Decidiu várias partidas para o bicampeão do Aterro batendo faltas e pênaltis, e sua garra enlouquecia a fanática torcida do esquadrão vermelho e branco. E justamente quando a dupla trocava ideias sobre o fanatismo dos torcedores chegou o cracaço Filé, do Ordem e Progresso, maior rival do Embalo, e logo chutou o balde.

– O Ordem tinha a maior torcida do Flamengo!

– Grande e quizumbeira – provocou Zé Brito.


As duas torcidas realmente eram gigantes e a do Embalo até virou escola de samba, mas Luisinho reconheceu a força do Morrone, adversário que não estava ali para vender seu peixe e também gravou o nome no Aterro com a maior goleada da história dos campeonatos: 47 x 0. O Morrone (Movimento dos Oito Rapazes Que Riem Onde Ninguém Se Entende) atraía uma galera imensa, apaixonada e ávida para assistir o show do trio Hamilton Iague, Marcelo e Wilson Fragoso, o Onça. 

– Naval na área! – anunciou Zé Brito.

Era Joaquim! De uma família de craques, o centroavante do Naval também está entre as lendas do soçaite, assim como Cícero, seu parceiro de equipe. Era admirado até pelos rivais e chegou a jogar no Milionários e Embalo. Cinco minutos depois chegaram Hugo Aloy e Xanduca, do Capri, de Santa Teresa, primeiros campeões do Aterro, em 1966. Teve até continência! Hugo era fenomenal e Xanduca, letal. Também do Capri, da geração seguinte, Roni, talento puro, chegou de mansinho. Assim como Joaquim, ele atuou por outros times, como Naval e Milionários.

– Cansei de deixar o Zé Brito na cara do gol – pilhou.

– Se deixou, eu fiz! No Aterro, só ganhei, só fiz bonito – tirou onda o anfitrião.

– Perdeu para mim! – alguém gritou.

Era o genial Tonico, do Xavier, campeão de 1971, anunciando a chegada. Zé Brito prefere esquecer esse dia quando perdeu a decisão para o time da Tijuca por 2 x 1, gols de Tonico e do endiabrado Jacaré, que também apareceu no almoço, com o zagueiro Carlinhos Stern, para atormentar ainda mais a memória de Zé Brito, que até pênalti perdeu nesse dia.

– Se tivesse me deixado bater o goleiro não ia nem ver…. – garantiu Álvaro Canhoto, do Milionários, mais um fora de série da turma.

– Ouvi goleiro? Me chamaram? – brincou Dinoel, campeão pelo Pedra Negra, do Méier, que chegou acompanhado de seu zagueiro Joel Santana, ele mesmo, o consagrado técnico. 


A mesa estava repleta de estrelas! Eu não tinha mais blocos para registrar tantas glórias e me beliscava para confirmar se estava mesmo ali, entre Tonico, Roni, Hugo, Zé Brito… Caramba, aqueles caras arrastavam multidões de casa para vê-los e até hoje são reverenciados em seus bairros. Participaram da época mais gloriosa do futebol de rua e destacaram-se! O Aterro era o Maracanã e o campeonato, a Copa do Mundo. Como explicar tudo numa coluna? Não dá. Quem viu, viu! Então, desisti, acenei para Tavares Bandeja de Ouro, troquei a caneta pela tulipa e mergulhei na melhor resenha de minha vida.

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