por Marcelo Mendez
Na várzea nem tudo é sempre assim, tão bom.
Vejamos o caso de que falaremos aqui hoje:
O jogo ruim.
Sim caro amigo leitor. Esqueça, portanto as pompas e grandiosidades todas contidas em uma partida clássica, recheada de craques e de jogadas lindas. Nada de genial, nada do que há de mais imponente nos ditos grandes jogos. Não!
Aqui vamos tratar, portanto, do jogo que ousou fugir do padrão comum do que se espera, e falar daquela partida dura, brigada, disputada aos bicões e suores suspeitos. Vamos falar do jogo ruim…
Não foram poucas às vezes em que me deparei com um desses. Até aí nada demais, afinal de contas, se pensarmos na quantidade de jogos de futebol que se tem por aí, fica muito mais fácil encontrar jogos feios, do que aquelas coisas homéricas, onerosas e gigantescas do ponto de vista técnico. Mas na várzea é diferente.
O jogo ruim na várzea tem a mesma proporção épica que há em Shakespeare, ou em Drummond.
No duelo travado por dois times ruins para se decidir quem dá mais pernadas, quem consegue os maiores chutões, o componente poético que surge pelos terrões vai aos píncaros do estado lúdico!
As jogadas mais pérfidas do ponto de vista técnico, os maiores absurdos ludopédicos e todo o desconcerto necessário para fazer do jogo em questão algo realmente ruim eleva o cidadão que lá está para vê-lo a um transe futeboleiro transcendental, único.
Às favas com a obviedade chata e rasteira da razão; O jogo ruim é uma privação de sentidos, um desbunde!
Os olhos de quem vê uma partida assim simplesmente vaga por entre sambas feitos à beira da cancha, espetinhos saborosos assados no bar ao lado e outros drinks improváveis. O torcedor se vira como pode.
Se não tem um passe de Gerson, tem um passe torto e, então, o sujeito dará risada disso. Se não tem um craque no meio campo, terá um perna de pau para que se façam as críticas das arquibancadas regadas a muita cerveja e conhecimentos técnicos e táticos de fazer inveja a um Telê Santana. De tudo se fala.
Enquanto o zagueiro isola a bola, alguém se lembra da prestação do carro, da conta no mercado, de como vai a vida e o mundo. Um outro, responsável de seu papel de marido que sai de casa para o lazer matinal, se recorda imediatamente de seus afazeres e comenta,
– Preciso passar no açougue, a mulher pediu para comprar uma carne de panela.
O interlocutor acena positivamente com a cabeça e assim a tradição dominical está mantida.
A bola volta e o jogo recomeça.
A afobação de nossos amigos de chuteiras coloridas e técnica duvidosa é tanta, que no afã de tocá-la de maneira atabalhoada, ela, a bola, recusa-se peremptoriamente a obedecer-lhe os comandos. Dana a quicar na canela, a fugir, a se rebelar, a querer de todas as formas, pregar uma peça no sujeito. A dureza de te-la é tanta, que a cada passe certo, mais do que uma alegria, tem-se um alivio.
Trocaram mais de três passes seguidos. Oh!
Pois bem. Lendo isso, o amigo leitor há de pensar: “Mas o que diabo pode haver de bom em ver um jogo desses, qual o sentido?”. Oras…
A várzea é honesta.
Não há nela, nenhum problema, nenhuma obrigação de não parecer aquilo que ela realmente é. Não precisa de maquiagem, de uma roupa outra para descaracterizá-la daquilo que faz dela um universo de sonhos; Ela é verdadeira.
Tal e qual a inexorável verdade, não tenhamos, portanto, vergonha em aqui dizer o que pode vir a ser a redenção da caretice e a libertação total do estado de nulidade de emoções que por vezes nos vitima e saudemos:
Viva o jogo ruim! Viva…
0 comentários