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AQUI, COM MEUS BOTÕES

24 / agosto / 2020

por André Felipe de Lima


Se os poetas maiores podem, também posso, ora. Não falo da capacidade de um Vinicius de Moraes ou de um Chico Buarque para os sonetos, canções ou rimas históricas, que somente eles são capazes de criar. Quem dera escrevesse um por cento do que escreveram, cantaram ou viveram. Falo de outra paixão que Vininha (permito-me esse carinho com ele) e Chico tiveram na infância e dela jamais desistiram: o jogo de botão.

Ando meio nostálgico nessa dramática quarentena, e isso não tem nada a ver com “Síndrome de Peter Pan” ou algo do gênero. Tenho voltado o ponteiro do relógio sem parcimônia rumo a uma aventura, sei lá, mezzo “Benjamin Button”, mezzo “O túnel do tempo”. O primeiro, muitos sabem, é um filme onde Brad Pitt interpreta um camarada que nasce idoso e morre bebê (contei o filme, perdoem-me); o segundo, outros muitos da minha faixa etária ou mais também sabem, é um famoso seriado (olhe a nostalgia pulsando!) dos anos de 1960 cujos episódios que vi na TV na primeira metade da década seguinte eram imperdíveis. Creio ter assistido a todos, e sem conversa fiada.


Nessa mesma época, começava a curtir futebol. Jogava (muita!) bola, mas também (muito também!) botões. Tive um sem número deles. Os primeiros eram os chamados “panelinhas” da Estrela, com as carinhas dos jogadores, lembram? O meu “panelinha” do Vasco tinha no gol o Andrada, na zaga o Moisés, na ponta-direita o Jorginho Carvoeiro e no ataque o Roberto Dinamite. Confesso também tive os do Fluminense (com o Capita, Marco Antônio, Doval e Rivelino); do Botafogo (com Marinho Chagas, Fisher, Manfrini e Carlos Roberto) e do Flamengo (com Cantarelli, Rondinelli, Geraldo e Zico). Depois vieram os botões da Gulliver, a maioria de cristal e também com carinhas dos craques, mas também escudos.

Os hoje cobiçadíssimos de galalite da Bertisa foram os derradeiros da minha infância e pré-adolescência, com todas as cores, times, tamanhos e brasões. Tive para lá de trezentos. Hoje, um antigo time de “panelinha” da Estrela — para o qual todo garoto passava a torcer o nariz após ter um galalite nas mãos — custa num site de leilões de relíquias ou mesmo em qualquer marketplace da vida algo em torno de 500 reais. Comprava-os no antigo mercado Casas da Banha, que havia no Leblon, ali na rua Bartolomeu Mitre, por uma ninharia.

Acho que hoje um time de “panelinhas” custaria uns 10 reais, no máximo. E os jogadores, cujas “carinhas” colávamos nos botões, coitados, sequer viam a cor do dinheiro que poderiam receber de direitos pelo uso de suas imagens. Isso só passaria a valer em 1979, com a coleção de figurinhas “Futebol Cards”, do chiclete Ping Pong, que mudou completamente essa relação do jogador brasileiro de futebol com o marketing de entretenimento no país.


Já os botões da saudosa fábrica Bertisa são, hoje, ainda mais caros. Um simples “olhinho” ou “ratinho” — como nos referíamos aos miúdos botões de duas camadas de galalite — está custando na faixa de 50 a 100 reais. No mês passado, bateu saudade disso tudo e decidi — igualmente ao que fizeram Vinicius de Moraes e Chico Buarque — reaproximar-me do passado, do garoto igualzinho aos da foto principal que ilustra esta crônica.

No mais, como dizíamos antes de chutar contra o gol adversário e debruçados em uma mesa Estrelão, “prepara!”. Um gol em uma partida de botão sempre valerá a pena. E, aqui com meus botões que comprei nessa quarentena, é uma excelente e lúdica terapia para encarar esse momento tão difícil pelo qual passamos.

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