por Zé Roberto Padilha
Para seus alunos, como eu, não teve uma imagem mais bonita e marcante da que revê-lo carreando a tocha olímpica em sua chegada ao Rio de Janeiro. Sou um daqueles privilegiados jogadores de futebol que, de chuteiras no lugar do tênis Bamba, do Kichute, recebeu de você preciosas aulas em uma sala de aula a céu aberto. E com piso de grama verde. A didática era conduzida por um apito que orientava nossos passes, domínios e lançamentos. E a prova realizada não mais com papel e caneta nas mãos, mas com imaginação, improviso e uma bola de futebol nos pés.
Em meio a tantos pontas-esquerdas ofensivos que o Brasil revelava, como Pepe, do Santos, Escurinho, do Fluminense, Canhoteiro, do São Paulo, posso imaginar, afinal tinha apenas seis anos, o tamanho da sua sabedoria para alcançar a titularidade daquela cobiçada camisa 11 canarinho que nos levou ao primeiro título mundial, em 1958, na Suécia. Você, mestre Zagallo, não acabou com os pontas, mas inaugurou a inteligência, o pensar no lado esquerdo que Telê Santana, no Fluminense, iniciara no lado direito pelas Laranjeiras.
Antes do Zinho ser o ponta do tetra, do Dirceuzinho disputar duas Copas do Mundo, você já provara ao seu treinador, Vicente Feola, que em meio a Nilton Santos, que se lançava ao ataque, Garrincha, Vavá e Pelé que não marcavam, e com craques requintados no meio-campo como Didi e Zito, alguém tinha que voltar para fechar aquele meio-campo. Armar as jogadas, cadenciar o jogo e ajudar na marcação. Não errar um só passe. Pensar coletivamente, enquanto todos se empenhavam em fazer o melhor da sua individualidade. Não foi à toa que você e o Telê se tornaram nossos maiores treinadores ao lado de Evaristo Macedo. Já treinavam há muito os times em que jogavam.
Quando cheguei ao Fluminense para um período de testes, era um bom meia-esquerda. Talvez o melhor de Três Rios. Mas por lá encontrei o melhor de Campos, Muriaé, Niterói e Itaperuna. Meu treinador, Pinheiro, percebeu que nosso lateral-esquerdo apoiava como Nilton Santos. Que Carlos Alberto Pintinho, Cléber eram solistas. Não carregadores de piano, como Denilson e Lulinha.
Me ensinou a jogar como você, circulando com a onze, dando opções na saída de bola e cobrindo todo mundo quando ela estava nos pés adversários. E fui ficando, renovando seguidos contratos até alcançar a Faixa de Gaza que, aos 19 anos, decide o nosso destino: último ano de juniores, ou você é aceito no profissional, ou pega a mala e volta para casa como a maioria dos garotos, que como eu, sonhou um dia ser jogador de futebol.
E quando Lula estava na seleção e você me viu treinar, escalou-me para enfrentar o América. Foi minha estréia no Maracanã. Só quem passou por isto sabe o que significa entrar em campo e perceber aquele gigante de cimento fechar seu anel sobre nossas cabeças. Com parte da família na arquibancada, a outra em casa colada no radinho em meio à preces e santinhos, Badeco, Alex, Alvaro, Bráulio e Cabrita nos cercando, Geremias à frente do Félix, se acertasse a bola já estava no lucro. Acertar os passes, então, pura loteria. E você foi carinhoso no meu dia D, me deu moral no vestiário apesar do Fluminense não jogar bem, e pude seguir minha carreira com o Parreira que você, ao abrir as portas do mundo árabe, promoveu no seu lugar.
Em meu nome, em nome do futebol brasileiro, de tantos alunos que você ajudou a formar, muito obrigado. A tocha em suas mãos, perante tamanha serenidade, acendeu a luz do respeito, do carinho e da saudade que todos nós, os seus alunos, guardamos de você.
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