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ANGÚSTIAS DE 76

17 / janeiro / 2023

por Zé Roberto Padilha

As rádios só tocavam Belchior em 76: ” Estava mais angustiado que o goleiro na hora do gol…”.

E era natural que ao colocar a bola na marca da cal para bater o terceiro pênalti da decisão da Taça Guanabara, entre Flamengo X Vasco, diante de 124 mil pagantes, entre eles toda a minha família que chegara de Kombi, de Três Rios, tenha lembrado da música.

E uma imensa vontade de corrigir aquela letra. Pois ninguém fica mais angustiado que o batedor na hora do pênalti. Se o Mazarópi pega, vira herói. Se eu perco, viro o vilão daquela decisão.

Quando ajeitei a bola e levantei a cabeça, cadê o gol? Cabeças da geral se juntaram as cabeças das cadeiras que encaixaram na dos arquibaldos. Só dava para distinguir os filetes brancos das traves.

E o goleiro vascaíno ainda estava de preto, quase um vulto a proteger aquela tela de Djanira que escondia o alvo fininho das redes.

Para complicar ainda mais os refletores eram precários, lâmpadas de Led eram luzes de tempos distantes. Perante tamanha falta de visão só nos restou a súplica, um último desejo ao destino que me jogara até ali: que não errasse a bola. Tão pequena, branca com a marca Drible e inocente à minha frente.

Depois de haver perdido um pênalti em uma preliminar de juvenis, Lula, ponta esquerda titular do Flu e da seleção, me chamou após um treinamento nas Larajeiras e revelou o seu segredo.

Bater forte com o peito do pé e de curva à direita do goleiro, tendo como referência a trave para a bola realizar uma trajetória contraria ao salto do goleiro.

E quando fui bater na bola, Mazarópi, que nos conhecia das divisões de base, se atirou para aquele canto. E uma tia kardecista, que nunca faltou na minha família, percebeu a manobra e em cima da hora virou meu tornozelo para o outro lado.

A bola caprichosamente encontrou as redes do outro canto. Assustado, confuso e aliviado, voltava para o meio campo quando ouvi de passagem o comentário de um Apolinho da Globo: “Quem sabe, sabe!”

Não, ninguém sabe o que passa na cabeça de um cobrador de pênaltis. Em decisões, então, esquece. São tantas alegrias e tristezas que serão definidas por uma cobrança que ela deveria ser mesmo batida pelo presidente do clube. Se machucado, pelo presidente do Conselho Deliberativo.

Se convertemos, com um gol daquele tamanho, nada mais fizemos do que a nossa obrigação. Perdendo, pergunte ao Marquinhos o que ele sentiu quando acertou a trave da Croácia e nos eliminou da Copa do Mundo do Catar.

Certamente, foram angústias vividas em 2022 que nem o Belchior, essa sim uma perda bem maior, estava entre nós para descrever o que passou na cabeça daquele rapaz latino americano, sem parentes importantes e vindo do interior.

Só quem bateu e perdeu sabe do que estou falando.

A propósito, perdemos a decisão e alcancei a proeza, no Flamengo, de ser vice do Vasco. Minhas tias kardecistas não foram escaladas para todas as penalidades.

3 Comentários

  1. Tadeu cunha

    Caro Padilha ótimo artigo,acho que hj com a tecnologia, scout, Analista disso e daquilo, está muito melhor pro batedor que pro goleiro,agora sempre existiram regras ,pênalti a meio altura é pedir pra perder,e bater sempre da mesma maneira é perder tbm.

    Responder
    • Noel Freire

      Fantástica resenha. Que maravilha!!! Escondido, no evento em questão, o drama daquela final da Taça Guanabara: nossas duas grandes promessas, ainda em evolução para Ídolos, perderam suas cobranças.
      Me lembro até hoje; 46 anos depois…

      Responder
  2. Paulo Abreu

    E o Zico ter perdido o primeiro pênalti da carreira nessa decisão foi doloroso tb!!!

    Responder

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