por Zé Roberto Padilha
As rádios só tocavam Belchior em 76: “Estava mais angustiado que o goleiro na hora do gol…”. E era natural que ao colocar a bola na marca do cal para bater o quarto pênalti da decisão da Taça Guanabara entre Flamengo x Vasco, no dia 13 de Junho de 1976, diante de 124.000 torcedores, entre eles toda a minha família que chegara de Kombi de Três Rios, tenha lembrado da música. E uma imensa vontade de corrigir aquela letra, pois ninguém fica mais angustiado do que o batedor na hora do gol. Se o Mazaropi pega, vira herói. Se o Zé Roberto perde, se torna o vilão daquela decisão.
Quando olhei para o gol, cadê ele? Cabeças da geral colaram na cabeça das cadeiras que por sua vez encaixaram nas cabeças torcedoras da arquibancada. Tem um quadro da Djanira com esta tomada. Só com cabeças. Só dava para distinguir, em meio ao nervosismo, os filetes brancos das traves – e o goleiro vascaíno ainda por cima estava todo de preto. Quase um vulto a proteger aquela cidadela intransponível porque as redes estavam invisíveis e eram elas que desnudavam o alvo que precisava ser atingido. Para complicar ainda mais os refletores do Maracanã eram precários, lâmpadas de led eram luzes de um tempo distante. Tamanha responsabilidade diante de tão pouca visão, só me restou uma súplica, um ultimo desejo ao destino que me guiara até ali: que não errasse aquela bola. Tão pequena, branca com a marca Drible e inocente à minha frente.
Depois que perdi um pênalti em uma preliminar nos juvenis, Lula, o ponta esquerda titular do Flu e da seleção, me chamou após o treinamento nas Laranjeiras e revelou o seu segredo: bater forte com o peito do pé e de curva à direita do goleiro, mirando a trave esquerda para a bola realizar uma trajetória contrária ao salto do goleiro. E quando fui bater na bola, Mazaropi, que nos conhecia das divisões de base, se atirou para aquele canto. E uma tia kardecista percebeu a manobra e virou meu tornozelo para o outro lado – pelo menos, durante várias CPIs instauradas ao longo da carreira, foi esta a explicação mais aceitável. A bola? Caprichosamente encontrou as redes no outro cantinho. Assustado, confuso e aliviado, voltava para o meio do campo quando ouvi de passagem o comentário de um Apolinho da Rádio Globo: “Quem sabe, sabe!”.
Não, ninguém sabe o que passa na cabeça de um cobrador de pênaltis. Em decisões, então, esquece. São tantas alegrias e tristezas que serão definidas por sua cobrança que, como dizia Neném Prancha, de tão importante deveria ser batida pelo presidente do clube. Se assim fosse, duvido que o presidente do Vasco não fosse o Roberto Dinamite. Ou vocês queiram mais lambanças do Eurico? A propósito, Zico, o ultimo a bater pelo nosso time, perdeu o seu. Ele podia. Se perdesse o meu seria enforcado como Vladimir Herzog, assassinado como Edson Luis ou exilado como o irmão do Henfil. Não é este o destino reservado em 76, no auge do regime militar, para os que “traíam” a nação?
0 comentários