Um cigarro, um único e escasso cigarro – da modesta, mas popularíssima marca Continental -, pode ter significado, afinal, o início da vertiginosa escalada de Amarildo rumo à glória e à fama.
– Joga esse cigarro fora, garoto.
Já cansado do jeitão autoritário do técnico Fleitas Solich, e vendo poucas chances de subir dos juvenis para o time de cima do Flamengo – ainda mais que na sua posição, a meia-esquerda, quem reinava absoluto era Dida, o maior ídolo rubro-negro -, aquele garoto campista de cabelos encaracolados, e de semblante quase sempre crispado, não perdeu tempo.
– Olha, seu Fleitas. O problema é que gosto de fumar. E não vou jogar o cigarro fora, não.
– Se não jogar, pode pegar as suas coisas e ir embora. Agora!
Sabendo o tamanho da encrenca na qual havia se metido, de imediato foi o que Amarildo fez. Afinal de contas, não desconhecia, em absoluto, a força que o paraguaio Don Fleitas tinha no clube. Poderes ditatoriais. Ainda mais, depois de haver levado o Flamengo ao primeiro tricampeonato da Era do Maracanã. E ainda por cima com Dida, o dono da meia-esquerda, como um dos heróis da grandiosa façanha.
Mesmo assim, foi o temperamento impulsivo do garoto campista, com seu jeitão libertário, que falou mais alto. E ele ainda disse poucas e boas para Don Fleitas antes de ir embora, chamando-o, inclusive, de velho caduco. “Em quem só não dou umas boas porradas agora, porque estou respeitando a sua idade”. De cabeça quente, mas plenamente consciente do poder de fogo do seu jogo, Amarildo Tavares da Silveira acabou deixando a Gávea para desembocar, pouco depois-ou quase de imediato –, em General Severiano. A ponte acabou sendo João Saldanha – um padrinho e tanto. Que já tinha ouvido falar dele através do velho amigo Galo, lendário lateral-esquerdo bicampeão pelo Flamengo em 1914/15, e que não saía dos treinos da Gávea.
Abusado no drible, decidido e veloz, além de possuir um verdadeiro canhão no pé esquerdo, Amarildo impressionou nos dois primeiros meses a tal ponto que, antes de completar 18 anos, já podia se considerar enraizado no Botafogo. Jogava nos Juvenis e nos Aspirantes, indistintamente. E no meio daquele Butantã de cobras que vestiam a camisa alvinegra, já começava a sonhar com uma vaguinha no time de cima. Ainda que fosse na ponta-esquerda.
O diabo é que o titular era o Zagallo, que havia sido campeão do mundo e pouco se machucava. A minha sorte é que haviam as excursões – costuma lembrar Amarildo, mergulhado no tempo.
É que, nas excursões, os jogos eram praticamente uns atrás dos outros. O roteiro, cigano. Três jogos na Bélgica, mais quatro na Holanda, outros três na França… Então, um revezamento do elenco se fazia necessário. Mesmo com a briga de Saldanha- àquela altura, técnico do time – com os empresários, que viviam a exigir a presença dos campeões mundiais Garrincha, Didi, Nilton Santos e Zagallo em todas as partidas.
Marcando gols com uma competência exemplar, e se entendendo às mil maravilhas com os parceiros que eram escalados ao seu lado – ora, gente consagrada como Garrincha, Quarentinha, Paulinho Valentim e Zagallo; outras vezes, jogando com Amoroso, China, Neivaldo e Bruno, que com ele haviam sido bicampeões nos Aspirantes -, Amarildo foi conquistando aos poucos, o seu espaço nas excursões à Europa, América do Sul, México e América Central. E mais: acabou ganhando um lugar definitivo entre os titulares quando menos esperava, favorecido que foi com a venda milionária de Paulinho Valentim ao Boca Juniors da Argentina.
Mesmo assim, que fique registrado que 1961 foi o ano decisivo em sua carreira. É que, naquela temporada, ele arrasou a banca pra valer, consagrando-se como o artilheiro absoluto do Campeonato Carioca, com 18 gols. E mais: tornou-se um jogador fundamental, para que o Botafogo enfim se consagrasse um grande campeão. Um campeão capaz de realizar uma série espetacular de 37 jogos sem derrotas – recorde de invencibilidade até hoje, na história dos Campeonatos Cariocas.
Mas foi logo no início de 1962, que Amarildo, ao lado de Garrincha, Didi, Quarentinha e Zagallo, formou em um ataque deveras arrasador, verdadeiro terror para as defesas adversárias. Um ataque tão poderoso, que levou o Botafogo ao título de campeão do famoso Pentagonal da Cidade do México, lá nos altiplanos astecas. E, por aqui, do nosso Torneio Rio -São Paulo – do qual foi ele, Amarildo, o artilheiro, com 10 gols.
Pronto e acabado para a consagração definitiva, eis que Amarildo Tavares da Silveira embarcou para a Copa do Mundo do Chile, no mês de maio, como reserva de Pelé. Muitos queriam, porque queriam, vê-lo lado a lado com o Rei, deslocado para a posição de centroavante. Mas a Comissão Técnica, mais uma vez, preferia apostar na experiência de Vavá, campeão em 1958 e celebrado como o “Leão da Copa” da Suécia.
No Chile, após uma estreia sem novidades contra o México – vitória do Brasil por 2 a 0, gols de Pelé e Zagallo. Com o ataque sendo o mesmo de 58: Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagallo-, eis que Pelé, logo ele, se contunde seriamente diante da Tchecoslováquia, no segundo jogo. Azar? Destino? Ou havia chegado, simplesmente, a hora da verdade para o garoto campista, que vinha arrebentando nos treinos?
Quando falaram que eu ia entrar, sabia que aquele ia ser o jogo da minha vida. Podia me consagrar. Ou, se nada desse certo, me afundar de vez. Para sempre! Felizmente, acabei fazendo os gols da nossa vitória! – viaja Amarildo no tempo mais uma vez. Agora, com um brilho diferente nos olhos. O prazer a lhe adoçar as palavras.
É que, naquela batalha contra a Espanha, ele tremeu nas bases, sim. Jogou nervoso durante os 90 minutos, preso ao chão, sem a mobilidade costumeira. Mas, mesmo assim, sem nunca deixar de acreditar. E foi por acreditar, que acabou fazendo o impossível: os gols da vitória brasileira por 2 a 1. Certamente, a mais difícil e dramática em toda a Copa.Na primeira vez que marcou, por sinal, um centro na medida de Zagallo, da esquerda, deixou-o em condições de concluir rasteiro, de pé esquerdo, contra o goleiro Araquistain, de dentro da pequena área. Uma finalização inapelável.
Porém, no segundo gol, foi preciso que Garrincha costurasse toda a defesa espanhola lá na direita, à base de dribles desmoralizantes. E prendendo a atenção, inclusive, do goleiro Araquistain. O bastante para que, o sempre esperto Amarildo se esgueirasse até o segundo poste, onde recebeu o cruzamento perfeito de Mané para a cabeçada fatal.
Já de moral elevada, e cada vez mais confiante, o Amarildo tinhoso, brigão e serelepe do Botafogo, foi visto por inteiro em campo nos jogos seguintes. Aí, acabou virando uma arma fatal. O parceiro tão esperado por Vavá, Garrincha, Didi, Zagallo e Zito nas evoluções do ataque. E se Garrincha, em estado de graça, arrebatava a coroa de Maior Jogador da Copa, era Amarildo quem saía com as honrarias de Grande Revelação da competição. Uma Copa repleta de disputas acirradas – e , não raro, violentas – pelos vários palcos andinos.
Sua maior atuação, contudo, como que a coroar uma jornada cheia de glórias, acabou por ocorrer justamente no jogo final, com o Estádio Nacional de Santiago do Chile inteiramente lotado. O seu gol, o de empate, veio depois de dribles sensacionais e uma bomba de pé esquerdo, que pegou no contrapé o goleirão tcheco Schroif. E o desempate só ocorreu, após um cruzamento de pé direito, lá da ponta-esquerda, quando o garoto campista enrolou toda a defesa adversária até centrar, com fita métrica, para a cabeçada épica de Zito.
Consagrado pelo genial Nelson Rodrigues como o verdadeiro “Possesso” de Dostoiévski – acima de tudo, por sua bravura indômita em campo-, o que Amarildo mais merecia, depois daqueles 3 a 1 sobre a Tchecoslováquia, era o beijo emocionado – e agradecido – que lhe aplicava Sua Majestade, Pelé, na festa dos vestiários. Ou então, a medalha de ouro de campeão do mundo, que o presidente da FIFA, Stanley Rous, havia lhe colocado solenemente no peito.
Mas, certamente, o que ele mais preferia naquele momento, era se divertir com os apuros porque passava Mané Garrincha, fugindo a todo custo dos afagos calorosos da torcida. Uma turma pra lá de ensandecida, que insistia em chamá-lo, em altos brados, de Rei Mané, Rei Mané, Rei Mané…
Ou, secretamente, o que talvez mais desejasse mesmo, fosse se reportar aos seus tempos de garoto, nas ruas do bairro da Lapa, lá em Campos dos Goytacazes. Onde, na bola e no braço, iniciara uma saga que havia acabado de colocá-lo lá em cima, no topo da glória. Um privilégio concedido a poucos, bem poucos- que ele ficasse certo disso -, pelos matreiros Deuses do Futebol.
Com meus 11 anos, já adorava futebol. E Amarildo figurinha carimbada do meu álbum , craque de Vila Isabel/ Tijuca
Depois das glorias no Botafogo e na Seleçao .. Amarildo se destacou tb na Europa, jogando pelo Milan, inclusive participando da famosa final de 1963 contra o Santos , onde ele mesmo declarou q o Rei do Futebol estava acabado ( machucado ) gerando revolta e determinaçao do time do Santos em honrar e vencer essa final no Maracanã.. proncipalmente com a figura de Almir Pernambuquinho como protaginista ..
muito essas historia do futebol eu gosto muito não viu joga mais pelos relatos Amarildo foi um grande jogador de futebol?
Cracaço, uma referência no futebol campeão brasileiro.
De parabéns o texto.
Tenho uma história engraçadissima confundindo com minha semelhança com ele…