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ALMIR PERNAMBUQUINHO

28 / outubro / 2017

por André Felipe de Lima


Poucos jogadores da história do futebol brasileiro renderam tantas crônicas quanto Almir Moraes de Albuquerque, ou simplesmente “Almir Pernambuquinho”. Heleno de Freitas [ex-Botafogo e Vasco] talvez rivalize com ele em polêmicas dentro e fora dos gramados, mas Almir teve um percurso incomum a ponto de promover um cisma na crônica esportiva. De um lado, como fã de sua alma digna de uma tragédia grega, Nelson Rodrigues o definia como “o divino delinquente”. Armando Nogueira, outro expoente do jornalismo, não media o verbo em relação ao ex-centroavante do Sport, Vasco e Santos. “Almir”, escreveu Nogueira, “era um caso de polícia”. O cronista chegou ao extremo de exigir em sua coluna de imprensa a prisão ou internação do atleta.

Almir era assim… Deus e o diabo encarnados em um só homem.

Restava aos adversários que se preparassem antes de enfrentá-lo, pois lá estava um guerreiro enfurecido a espera deles. Pobres daqueles que o marcavam com pontapés. O troco não saía barato. E os cartolas não ficaram fora da lista de desafetos do Pernambuquinho. Calotes e safadezas eram respondidos com furiosos desabafos.

Impulsivo. Agressivo. Era “pau puro”, como o próprio dizia. No Flamengo, a torcida o apelidou de “Almir-Raça”. Não era para menos. Um Almir tal e qual a um anjo pornográfico, como escreveu Nelson Rodrigues, seu “advogado” mais eloquente, em edição da Manchete Esportiva de 7 de março de 1959, na qual definia Almir como o “Pelé branco”: “Em tudo que se diz sobre Almir, já é difícil discriminar o que é verdade e o que é folclore. Por exemplo: — contam que Almir xinga os adversários. Então pergunto: — será o primeiro? Não me parece. O futebol jamais foi mudo, jamais exigiu do craque um silêncio de Sarcófago. Direi mais, se me permitem: — o futebol é o mais falado e o mais pornográfico dos esportes. Durante os noventa minutos, tanto os craques em campo como o torcedor nas arquibancadas rugem os palavrões mais resplandecentes do idioma. Dir-se-ia que tanto o público como o craque têm, no berro pornográfico, um estímulo vital, precioso e irresistível. E se o meu personagem xinga os adversários, não faz outra coisa senão insistir num hábito que data dos nautas camonianos.”

Ódio, amor, paixão, respeito, revolta, indiferença, companheirismo e por aí vai. Tudo da alma humana cabia quando fosse Almir a pauta. Uns o desejavam, outros o repeliam.

Prestes a chegar ao Flamengo, muitos não o queriam, mas o diretor Flávio Soares de Moura, confiando piamente na “alma” de Almir, arriscou sua própria reputação: “Eu comprei você e seu barulho, Almir. Por tudo o que você fizer vão botar a culpa em mim. Mas eu topo a parada”. Flávio, que se tornou grande amigo de Almir, nunca se arrependeu, nem mesmo após a pancadaria na final do Campeonato Carioca de 1966, contra o Bangu.

Mas houve outro jogo contra o Alvirrubro suburbano, realizado no dia 30 de outubro de 1966, em que a virilidade de Almir escoou de forma positiva. Para o gol adversário, com tudo o que tinha de direito. Inclusive lama, suor e lágrimas.

O público presente nem era tão grande. Mas os 34 mil que estiveram no Maracanã presenciaram aquele que talvez tenha sido o gol mais incrível da história do estádio. E foi de Almir, como o próprio descreveu: “Esse gol foi o mais espetacular que fiz em toda a minha carreira e mereceu até a capa dupla de um jornal francês, o ‘France Football’; foi um gol que fiz arrastando a cara na lama, me arranhando todo, num dia chuvoso no Maracanã […] A coisa começou com a cobrança de uma falta pelo nosso lateral direito, Murilo, na altura da intermediária do Bangu, quando o jogo estava 1 a 1 e devia faltar uns dez minutos para acabar. Não me lembro se quem cabeceou primeiro foi Silva ou se fui eu mesmo, mas o fato é que, após o lançamento, um de nós dois cabeceou e o goleiro Ubirajara rebateu. Acho que fui eu mesmo, porque sei que estava caído quando via bola a mais ou menos meio metro de distância e o goleiro Ubirajara, também caído, a se esticar todo para tentar agarrá-la. […] ‘ Tenho que alcançar essa bola de qualquer maneira, nem que me estraçalhe todo aqui’, pensei. […] À proporção que eu sentia a mão de Ubirajara mais perto, crescia a minha determinação. O chão se tornava mais áspero, rompia a minha carne; mas eu não podia desistir, tinha que alcançar a bola, tinha de ser mais eu. […] Com os olhos empapados de lama, a pele toda cortada pelo atrito com a terra, nem pude ver a bola ir para as redes […] a torcida do Flamengo rugiu no estádio com o grito de gol, meus companheiros de time caíram sobre mim a me abraçar e me beijar. […] Até hoje Ubirajara jura que eu só levei vantagem sobre ele porque teria tocado a bola com a mão e não com a cabeça. É desculpa de mau perdedor […] Se tivesse feito com a mão e o juiz tivesse validado o gol, eu confessaria francamente, até mesmo para gozar o Bira. Mas não houve nada disso do que ele alega: fiz aquele gol com a cabeça e o coração.”

Chovia muito naquele dia e o cronômetro já marcava 40 minutos do segundo tempo, quando Almir atirou-se de peixinho na pequena área e cabeceou com força. Caído no chão, arrastava o rosto no gramado enlameado, empurrando a bola para dentro do gol. “Almir não queria saber se o zagueiro Mario Tito, que estava chegando, iria chutar sua cabeça, com bola e tudo — só o gol lhe interessava. A foto desse gol foi parar na capa do jornal France Football”, escreveu Ruy Castro.

Almir não temperou os gramados apenas com brigas, foi, sobretudo, um vencedor. Por onde passou, conquistou títulos. Com o Vasco, um Carioca e o Rio-São Paulo, ambos em 58, pelo Santos, o bi da Taça Brasil [1963 e 64], o Paulista de 64, a Taça Libertadores da América e o Mundial Interclubes, ambos em 63.

Almir nunca se incomodou com o que publicavam ou falavam dele fora dos campos de futebol. Tinha uma contumaz dificuldade em ser comandado. Peitou técnicos “gente-boa”, como Armando Renganeschi, de quem gostava muito, e “casca-grossa”, como Yustrich. Travou diálogos nosense, alguns deles publicados pela revista Placar e em sua auto-biografia:

“— Você está bebendo, Almir? Não acha que isso pode te prejudicar no jogo de amanhã?

“Eu percebi que ele tinha chegado como amigo, fui franco:

— Olha, seu Renga, uma cervejinha me faz muito bem. Eu sinto que vou render mais quando posso tomar minha cervejinha à vontade, sem precisar esconder nada.”

Restou a Renganeschi achar graça da conversa e dar um tapinha nas costas de Almir. Já com Yustrich, um “alemão” que também gostava de bate-boca, Almir não deixou barato e sua personalidade forte intimidou o treinador.

“Nesta época eu já morava em Copacabana [na rua Leopoldo Miguez], com Belini [o dono do apartamento], Delém, Écio, Orlando. Durante a preleção, Yustrich se dirigiu a cada um dos jogadores, ora dando conselhos, ora ditando normas de comportamento. Quando chegou a minha vez, ele engrossou:

— Olha, Almir, você escolhe ou o Vasco ou Copacabana.

“Eu já estava invocado com aquela história de ele nos ter proibido de comer e beber, respondi na bucha, sem vacilar:


— Olha, seu Yustrich, já escolhi desde agora. O Vasco pra mim não existe, eu escolhi Copacabana”.

Ele era assim, duro na queda. Dizem, na malandragem carioca [a “das antigas”], que gente assim “canta pra subir” mais cedo. A velha máxima popular foi infalível para Almir, ou há melhor definição que o título da reportagem de O Estado de S.Paulo “Um tiro no bar, e Almir não briga mais”?

Morreu assassinado poucos anos após deixar os gramados, em uma briga no bar Rio-Jerez, na Galeria Alaska, em Copacabana, na madrugada do dia 6 de fevereiro de 1973, após um bate-boca [o definitivo] com o português Artur Garcia Soares. O tiro atingiu a cabeça de Pernambuquinho.

Hoje, igualmente ao contemporâneo Garrincha, o irascível craque faria anos. Faria 80 anos.

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A MAIS COMPLETA REPORTAGEM SOBRE ALMIR/ APRESENTAÇÃO HELVÍDIO MATTOS
PARTE 1/ https://www.youtube.com/watch?v=1nQL_71mC00
PARTE 2/ https://www.youtube.com/watch?v=sb6ijpJ4g9g
PARTE 3/ https://www.youtube.com/watch?v=qaQNC7eXaVo
PARTE 4/ https://www.youtube.com/watch?v=TaDlTOYh0-o
PARTE 5/ https://www.youtube.com/watch?v=cBz47DRKqmo

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A biografia completa do Almir Pernambuquinho consta do I volume (a Letra “A”) de “Ídolos – Dicionário dos craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, com lançamento em dezembro. A enciclopédia, que consiste em 18 volumes, está sob a edição do querido Cesar Oliveira.

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