por Claudio Lovato Filho
A simplificação excessiva e a generalização prejudicam a análise séria; se estiverem juntas, então, acabam com qualquer chance de uma contribuição qualificada para o bom entendimento do que quer que seja.
Afirmar que os treinadores gaúchos são contra o drible e outras ousadias em campo é um erro típico de quem, um dia, se enamorou de uma tese equivocada e não quer largá-la de jeito nenhum.
Existe no Rio Grande do Sul – e quem é de lá, ou conhece alguma coisa do futebol de lá, sabe disto – uma diversidade de pensamento tal entre os técnicos que é difícil até mesmo afirmar categoricamente que exista uma única “escola gaúcha”, ainda que pesquisemos os primórdios do futebol no estado.
Por acaso Otto Bumbel, Oswaldo Rolla, Ênio Andrade, Carlos Froner, Valdir Espinosa, Paulo Cesar Carpegiani, Mano Menezes, Oswaldo Brandão, Tite, Otacílio Gonçalves, Daltro Menezes, Felipão, Cláudio Duarte, Ivo Wortmann, Renato Portaluppi, Dunga, Tiago Nunes e Roger Machado pertenceriam a uma mesma e única “escola”?
Essa diversidade – “essas variações e até combinações”, como diz um amigo que conhece muito de futebol – é justamente o que faz o futebol gaúcho tão vitorioso.
Nessa relação de treinadores feita algumas linhas acima há formas de pensar o futebol e métodos de trabalho que são, em alguns casos, completamente diferentes. Uns, com mais apreço que outros pelas ousadias e liberdades individuais, pelo jogo mais ofensivo; uns mais preocupados que outros com a segurança defensiva, com a rigidez da marcação. Mas nenhum deles contra a demonstração de talento. Nenhum deles contra o craque. Jogadores como Airton Pavilhão, Milton Kuelle, João Severiano, Gessy, Alcindo, Everaldo, Tesourinha, Falcão, Mauro Galvão, Carpegiani e Ronaldinho Gaúcho não se tornaram o que se tornaram porque seus técnicos os proibiam de apresentar sua arte.
Mesmo considerando os técnicos gaúchos que mais recentemente dirigiram a Seleção Brasileira há uma expressiva diversidade de estilos. Mas é preciso querer ver isso e, por consequência, evitar análises precipitadas.
Todos buscando a vitória, cada um à sua maneira – mas sem tolher os craques. Ao contrário.
Em 2014, Felipão proibiu dribles? Sério? Bom, uma rápida olhada na lista de convocados, só para relembrar quem estava lá, deixa claro que se o nosso técnico não gostasse de dribles e de outras demonstrações de talento não teria levado quem levou.
Observem as listas. Relembrem as escalações.
Mesmo os ex-jogadores que criticam a assim chamada “escola gaúcha de técnicos” sabem que, no campo, quem toma as decisões relacionadas a ações individuais são os jogadores – sobretudo em equipes que contam com profissionais da elite mundial.
Alguém ouviu falar que o Tite vetou os dribles do Neymar, do Raphinha, do Anthony e do Vini Jr.? Se alguém ouviu, por favor, me envie os links.
Também não soube de proibições nesse sentido feitas por Mano Menezes a Marcelo, Daniel Alves, Hernanes, Douglas, William, Nilmar, Lucas, Neymar. Nem de Dunga a Daniel Alves, Kaká, Paulo Henrique Ganso.
Sou um gaúcho gremista orgulhoso da contribuição do Rio Grande do Sul ao futebol brasileiro. Nem por isso critico, tampouco condeno os que admiram técnicos originários de outros estados e que têm formas distintas da minha de pensar o futebol.
Grandes craques gaúchos já ficaram fora de Copas do Mundo simplesmente por não jogarem em clubes do Rio ou de São Paulo, e isso não começou com Falcão e Tarciso sendo “esquecidos” na Copa da Argentina. Quem conhece a história, por exemplo, de Airton Ferreira da Silva, o Airton Pavilhão, um dos melhores zagueiros que este país já teve, preterido na Copa de 62, sabe do que estou falando. Nem por isso deixo de respeitar os aportes que fizeram ao nosso futebol Cláudio Coutinho, gaúcho de Dom Pedrito que se mudou com a família para o Rio quando tinha 4 anos de idade, e o fluminense Aymoré Moreira. Nem acho que o mineiro Flávio Costa e o alagoano Zagallo, ambos desde jovens radicados no Rio, tenham que ser responsabilizados sozinhos por nossas derrotas para o Uruguai em 50 ou para a Holanda e a França em 74 e 98, respectivamente.
O futebol brasileiro é feito de uma grande conjunção de referências, visões, gostos, convicções e preferências, que interagem e se complementam. Somos o país que mais vezes conquistou a Copa do Mundo porque soubemos conjugar esses elementos diferentes e essenciais e ligá-los com a argamassa da paixão. A colaboração do Rio Grande do Sul – que conquistou o país, o continente e o mundo algumas vezes, com estilos diferentes e em circunstâncias as mais diversas – tem seu papel de destaque assegurado nessa caminhada.
O futebol brasileiro é arte e força. É alegria e competitividade. Malandragem e disciplina. Criatividade e concentração. Fantasia e objetividade. E nenhum desses elementos tem a marca de propriedade ou de rejeição de alguma unidade da federação. Isso é fruto de soma, de convívio, de conexão – jamais de ranço bairrista e discriminatório. Essa integração é o que faz o nosso futebol ser o que é. É o que nos faz ser o que somos.
Cláudio fiquei muito satisfeito com seu texto, principalmente pelo conteúdo e embasamento de algo que acontece e reina em nosso país. Com apoio e aporte da mídia do sudeste, onde defendem e praticam o bairrismo, desconsiderando nossa condição unitária, nacionalista e ética.
Parabéns.
Ccrd com seu excelente texto caro Claudio,como torcedor colorado reconheço que Airton foi o melhor zagueiro do futebol gaúcho seguido por Scala e Bibiano PONTES,e no rol dos técnicos não devemos esquecer Daltro Menezes.
Parabéns, Cláudio. Todo bairrismo é estúpido, seja contra, ou a favor. Generalização, idem. Destacando entre os grandes treinadores Ênio Andrade, que nunca teve chance de chegar perto da Seleção Brasileira, Minelli, que sendo paulista teve no RS o seu auge, e tantos outros. O futebol gaúcho ajudou a trazer mais objetividade ao futebol brasileiro, sem abdicar da qualidade e de ter grandes jogadores nacionais e estrangeiros a se misturar com a força local. Também mostrou a importância da preparação física e das boas condições de estrutura dos grandes clubes nos anos 1970 e 1980. O futebol brasileiro é forte por ser diverso, e integrado nacionalmente. E se enfraquece, já há algum tempo, pela pouca ou nenhuma identidade de nossos jogadores com nosso futebol, clubes ou com o País. Por que na Europa jogam com outro tipo de pressão, totalmente diversa da que sofremos em uma Copa do Mundo. E isso nenhuma Comissão Técnica consegue trabalhar bem, já há algum tempo. O que vale é profissionalismo, firmeza , foco e gestão de grupo- seja o treinador gaúcho, carioca, paulista, alagoano, ou marciano. Aí vêm os resultados.