por Claudio Lovato Filho
Nestes tempos de isolamento social, ele tem feito um verdadeiro trabalho de arqueologia em velhas caixas de sapato, pastas de papelão e sacos de lixo transformados em arquivos.
Certo dia encontrou seu time de botões, que ele acreditava que se extraviara na última mudança de endereço. Os botões foram presente de um velho amigo, um irmão a quem ele jamais tivera a coragem de informar a (suposta)perda.
Naquele mesmo dia, em um dos sacos azuis de lixo, ele reencontrou o button de um dos clubes mais tradicionais da Inglaterra, lembrança de um jogo que assistiu no velho Wembley, em meados dos anos 90. Lembrou-se então da viagem a trabalho e da sorte que teve ao ser presenteado por um colega de empresa com um ingresso destinado a clientes e parceiros da companhia. O button estava dentro da revista produzida especialmente para o jogo.
Em outro dia, no fim da tarde, pôs as mãos e os olhos, depois de muito tempo, nos ingressos para os jogos que assistiu na Bombonera (Boca x Rosário Central), no Centenário (Peñarol x Nacional), no velho Alvalade (Sporting x Metz) e no Brígido Iriarte (Caracas x Deportivo Táchira).
Foi em um sábado de manhã, entretanto, que ele encontrou uma foto que o fez interromper, naquele dia e nos outros dias que se seguiram, as buscas que vinha empreendendo.
A foto, guardada em umas daquelas pastas com elástico, mostrava um jovem, um garoto de 19 anos recém-completados, o rosto cheio de espinhas, o cabelo comprido, o sorriso de quem achava que havia compreendido todos os mistérios do mundo, ao lado de um senhor calvo, de óculos, barriga proeminente, pele bronzeada e o sorriso aberto e contagiante de quem estava pouco se lixando para os mistérios do mundo.
Ali estavam, naquela foto em papel que já havia adotado a forma de canoa, ele e o avô, sob um céu muito azul, nas arquibancadas superiores do estádio que era então o maior do mundo.
O avô que era apaixonado por futebol e pela vida, o avô que caminhava no calçadão da praia todo santo dia e, de 20 em 20 metros, encontrava um amigo, o avô que se foi aos 74 anos, levado por uma doença contra a qual todos os tratamentos e medicamentos pouco puderam fazer. O avô que nunca perdeu a alegria e a vontade de viver.
Naquele dia, ele recolocou a foto na pasta e então pensou,mais uma vez, que lidamos com forças muito superiores aos nossos desejos e às nossas certezas, que o “acaso” e o “aleatório” são apenas formas distintas de nomear essas forças e que a única resposta que cabe nisso tudo, a resposta que devemos dar para nós mesmos, é de que é preciso prosseguir, seguir, continuar indo em frente, tentando levar conosco apenas aquilo que dá sentido a essaininterrupta caminhada da qual somos partícipes e protagonistas, o supremo privilégio que nos foi concedido.
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