por Valdir Appel
Domingo, no Machadão, o América de Natal teve a oportunidade de ganhar do Internacional de Porto Alegre e somar os dois pontos que o classificariam para a fase seguinte do Campeonato Brasileiro de 1975. O empate em 1 a 1, obrigou o time potiguar a fazer contas. Restavam três jogos difíceis, fora de casa, contra adversários que também brigavam por uma vaga entre os cinco primeiros do seu grupo.
Teoricamente, o Ceub seria o oponente mais fraco dos três, e embarcamos para a capital federal, otimistas com a possibilidade de conseguir o pontinho que nos faltava. Mas, uma derrota por 2 a 1 para o time do folclórico Fio Maravilha, no estádio Mané Garrincha, debaixo de muita chuva, adiou novamente as nossas pretensões.
Na quinta-feira, voamos para o Rio de Janeiro. Ficamos hospedados no Hotel Argentina. O nosso treinador, Leônidas, quase não falava com ninguém, decepcionado com os seus comandados que haviam jogado abaixo de suas possibilidades em Brasília.
Sábado, o nosso adversário seria o Vasco da Gama, em São Januário. Eu era o mais ansioso e otimista do grupo. A perspectiva de enfrentar o Vasco naquele sábado me agradava. O meu otimismo era causado pelo retrospecto que me era favorável – havia jogado o campeonato carioca pelo Bonsucesso e os confrontos, todos em São Januário, terminaram assim: vitória de 1 a 0 para o Bonsuça; um empate de 1 a 1 em jogo amistoso; e uma derrota por 1 a 0, com gol anotado pelo Dinamite em cobrança de pênalti cavado pelo Jair Pereira e absurdamente marcado pelo árbitro. Portanto, buscar a classificação em cima do meu ex-time tinha um sabor especial pra mim.
Eu não tinha ressentimentos contra o Vasco, era apenas uma questão de amor próprio. Queria provar para mim e para os torcedores, que eu ainda tinha lugar no time da Colina.
Recebemos muitas visitas de colegas e familiares. O meia Samarone, ex-Fluminense, que jogara comigo no Bonsucesso, fez questão de mostrar uma cartela da loteria esportiva, onde cravara a seco, a nossa vitória, tentando nos injetar uma dose de confiança.
Fazia frio no Rio, coisa rara. Sábado à noite, nos vestiários de São Januário, enquanto nos preparávamos para o aquecimento com o Arthurzinho, propus um acordo ao Leônidas: em caso de vitória e com a vaga garantida, ele me concederia quatro dias de folga no Rio, que era a minha cidade sede. Ele topou.
O árbitro deste jogo era o senhor Silvio Luiz, hoje jornalista esportivo. Uns 5 mil torcedores vascaínos assistiram um jogo disputado, amarrado, e viram (perplexos!) a nossa vitória por 1 a 0: gol de Washington, aos 20 minutos do segundo tempo. Vitória esta que se transformaria numa conquista sem precedentes para um time potiguar, e tornaria o goiano Miron o maior milionário da loteria esportiva em todos os tempos. Hoje, a bolada embolsada pelo humilde lavrador seria algo em torno de R$ 8 milhões.
O feito nordestino e o prêmio pago ao apostador foram notícias de destaque em todo o Brasil. Nos anos 1970, as zebras não aconteciam com frequência e esta foi a maior registrada até então. Muitas histórias são contadas pela imprensa: “O sorriso de Miron, sem os caninos, o induziu a marcar o duplo aberto no jogo que derrubou todos os apostadores brasileiros” ou “Miron fez um duplo aberto, pensando que o era o América carioca e fez, sozinho, os 13 pontos”.
Em compensação, saí de campo com o Motorádio entregue por uma emissora local ao melhor jogador em campo. Logicamente, cobrei e ganhei os meus quatro dias de folga na cidade maravilhosa.
No Aeroporto Augusto Severo de Natal, a recepção da torcida aos jogadores foi fantástica, coroando uma magnífica campanha. A classificação antecipada permitiu ao América jogar a última partida contra o Náutico apenas para cumprir tabela. O Vasco buscou a dele no jogo seguinte, vencendo o Campinense, da Paraíba. Classificamos para a fase seguinte em 3º lugar, atrás apenas dois pontos do Flamengo e um do Grêmio.
Fato interessante aconteceu no jogo contra o Náutico: o presidente do Bahia, Paulo Maracajá, anunciou um prêmio extra, caso eu evitasse a vitória do time pernambucano por uma diferença de dois gols. Na época, esta diferença dava três pontos ao vencedor. Mesmo sem valer nada, resistimos ao Náutico com um time desfalcado e perdemos de 1 a 0. O Náutico, de Jorge Mendonça, era um timaço. Mas só a velha rivalidade nordestina era suficiente para que todos se empenhassem ao máximo.
Este resultado interessava ao Bahia, que esqueceu de fazer o dever de casa, perdendo em Salvador para o Figueirense. Conclusão: ficaram de fora os dois, Bahia e Náutico. Até hoje, estou esperando o prêmio do Maracajá, que eu pretendia dividir com a rapaziada.
Ficha do jogo: Vasco 0 x 1 América de Natal – CampBrasileiro – 27.09.75
Estádio São Januário – Árbitro: Silvio Acácio Silveira – Público: 4.046 pagantes
Vasco: Mazarópi, Toninho, Moisés, René, Deodoro, Alcir, Gaúcho (Uiliam), Ademir, Freitas, Jair Pereira e Luiz Carlos. Técnico: Mário Travaglini.
América: Valdir, Ivan (Carmindo), Odélio (Mario Braga), Queirós, Olímpio, Zeca, Washington, Pedrada, Humberto Ramos, Élcio e Ivanildo. Técnico: Leônidas.
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