texto: Sergio Pugliese | ilustração: Claudio Duarte
Convocado pela Justiça Eleitoral para exercer a função de mesário, Aranha respirou fundo e tentou manter o controle emocional. Ele não merecia isso, não naquele dia. Brasileiro, cumpridor dos deveres, impostos em dia, excelente aluno e filho de advogado famoso, o estudante de Economia era considerado um menino prodígio em Petrópolis. Agregador, ainda organizava uma pelada sagrada, paixão de sua vida, no Campestre, e durante meses liderou uma campanha pela reforma do campinho do clube, totalmente esburacado. E o xis da questão era justamente esse: a reinauguração da nova arena estava marcada para o mesmo dia da eleição, no fim da tarde. Aranha tinha a exata noção da importância dos mesários, representantes do povo participando da construção da democracia, mas a obrigação cívica o transformou num jovem alucinado, rebelde e disposto a qualquer loucura para não ficar fora do racha.
– Lutei muito para reformar o campo e não existia a menor possibilidade de ficar fora da festa – lembrou Aranha, que suplicou para não ser identificado porque até hoje, 30 anos depois, o desfecho da história ainda lhe rende severas críticas familiares.
Também pudera, a estratégia usada por Aranha foi a pior possível. Até hoje ele nunca revelou o mentor do desastrado plano e prefere assumir sozinho o estrago. No dia da eleição precisou madrugar porque não era apenas mesário, mas o presidente da seção. Tinha 18 anos, estava de ressaca e seu vice era um senhorzinho invocado. Reuniram a equipe, passaram as últimas coordenadas e abriram a porta da escola aos eleitores.
– O plano era encerrar a seção vinte minutos antes e desaparecer – contou.
O movimento foi grande durante a manhã. Da porta, Aranha sinalizava para as pessoas entrarem logo e na sala organizava a fila e tirava dúvidas. Só faltava bater palmas para os indecisos votarem mais rápido. Estava visivelmente tenso, olho vidrado no relógio. O campo, em Nogueira, ficava a 10 quilômetros da escola, no Retiro, e os amigos já estavam avisados de sua presença na primeira partida. O grande problema seria convencer o vice, homem sério, aposentado do Banco do Brasil, a encerrar a votação às 16h45, 15 minutos antes do previsto. Só na marra, lançando mão da autoridade de presidente.
– Quando a sala deu uma esvaziada falei para a equipe ir desmontando o acampamento – disse, às gargalhadas.
Claro, ninguém entendeu nada. Ainda faltavam 40 minutos, mas o objetivo era preparar o terreno. Adiantou o relógio e rezou. Dois companheiros da pelada entraram para votar e no final o alertaram para não se atrasar. Atirou-se sobre a dupla antes que falassem demais. Alguns minutos depois, iniciou o show. Aproveitou a sala vazia e começou a gritar “encerrou!”, “liberados!”. Alguns mesários não pensaram duas vezes e viraram fumaça, outros exigiram explicações e o vice precisou de água com açúcar.
– Fechei a casa, coloquei a urna no Fusca e me mandei para o jogo – falou.
Os amigos Flavinho Botelho, Salim, Edmundo, Maurinho, Bocão e o saudoso Tony não entenderam nada quando Aranha entrou correndo no clube, carregando uma urna. Ofegante, ele convocou Benildo, o faz tudo do clube, e mais um grandalhão para tomarem conta do “saco”. Deu R$ 15 para cada e foi jogar, olho no padre e outro na missa. O campo estava um tapete e Aranha deixou o seu, de placa, logo aos cinco minutos. No fim da segunda partida, tomou banho e se mandou para entregar a urna no SESC, onde acontecia a apuração.
– A contagem estava atrasada por minha causa e chegando lá quase fui preso – lamentou.
Após horas de confusão e a presença do pai, irado, constataram que a urna estava intacta. Aranha alegou problemas gástricos, enjoo e fortes dores de cabeça. Foi liberado e levou a maior bronca da vida. Completamente arrependido, ficou sozinho, encostado no Fusca. Arrasado, precisava de ombros amigos. E sabia onde encontrá-los! Entrou no carro, acelerou e ainda chegou a tempo do churrascão no Campestre.
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