por Sergio Pugliese
Longe das Lei Secas e Choques de Ordem que brotam em cada esquina do Rio, o carioca Rodrigo Duque Estrada, após passear pelas belas ruas de Faenza, pequena cidade ao norte da Itália, onde mora há oito anos, estacionou sua lambretinha vermelha e preta para caminhar e pegar sol no Parque Bucci. Trabalha com gastronomia e eventos no badalado Osteria della Sghisa, dorme pouco e precisava relaxar. Mas alguns metros depois viu um policial, cara de mau, aproximar-se e anotar sua placa. Voltou correndo.
– Oi! Bom dia, senhor! Por que está me multando?
– Porque aqui não é permitido estacionar scooter e motos, só bicicletas. Não viu a sinalização alertando? – respondeu, sem disfarçar a impaciência.
O aviso realmente era gigante e a lambreta descansava milimetricamente sob a placa, ridículo.
– Impressionante como não vi…..distração total – desculpou-se, com um sorriso amarelo.
– Mas um painel deste tamanho? É impossível não vê-lo! – resmungou o guarda Ivan, enquanto prosseguia as anotações.
Realmente era incontestável, indefensável, inexplicável…….
– Só posso pedir desculpas – admitiu, baixinho.
A cara triste do menino do Rio, certamente desenvolvida em mergulhos teatrais, no Tablado, levou o policial a erguer uma das sobrancelhas e observá-lo.
– De onde é?
De onde mais poderia ser? Moreno, recém chegado de uma temporada de surfe na costa francesa, malhadão, sorriso fácil, rato de praia, neto de Dona Inês e, acima de tudo, bom de lábia!
– Sono brasiliano! Vengo da Rio de Janeiro – respondeu, orgulhoso, com sotaque ítalo-carioca.
Quando ouviu “Rio de Janeiro” a sobrancelha erguida deu lugar a um sorrisinho malicioso, reservado aos grandes estrategistas.
– Rio! Praias, belas mulheres e…..futebol! Joga futebol?
Peraí! É até falta de respeito perguntar isso para um carioca da gema, cria da escolinha do Flamengo e ídolo no Maconhão, tradicional campo de soçaite, na saída do Túnel Rebouças. Calma, Dona Inês, o apelido do campo é esse, fazer o quê? Dona Inês Estrada é a avó coruja, fã de carteirinha do moleque. Ela lembrou que o neto também era craque em piruetas e faltava pescoço para guardar tantas medalhas conquistadas na ginástica olímpica do Mengão.
– O futebol é minha paixão e me considero bom de bola, sim – respondeu com a inconfundível marra carioca, ao estilo baixinho Romário.
O policial respirou aliviado com a revelação e guardou o bloquinho no bolso.
– Jura? Que ótimo! E por qual time torce?
Aí, virou bagunça. Ivan deu um braço e Rodrigo abocanhou o corpo todo! Olhos arregalados, como em transe, sacudiu os ombros do guardinha e encarou-o firme antes de gritar, relembrando os velhos tempos de Raça Rubro Negra, no Maracanã:
– Tifo per il Flamengo!!!! Flamengo fino allá fine!!!! (Torço pelo Flamengo!! Flamengo até morrer!!!).
E emendou.
– Jogo na praia, em salão, cimento, terra batida, paralelepípedo, pé-de-moleque, ladeira…..
Um jogador completo, pensou o fominha Ivan, que construíra um campinho nos fundos de sua casa. E um brasileiro bom de bola por lá, além de levar fantasia às peladas de sábado, ainda colocaria os adversários no bolso. Seria a salvação da lavoura! Então, foi a vez dele, olho no olho, balançar os ombros de Rodrigo e propor, entusiasmado.
– Cavolo! Allora ti lascio il mio numero e vieni a giocare con noi! La multa lasciamo perdere, facciamo finta di niente! L’unica cosa che devi promettere è di venire a giocare nella mia squadra! Ci conto!!! (Puxa!!!! Então deixo o meu número e vem jogar conosco! A multa deixamos para lá!! A única coisa que precisa me prometer é vir jogar no meu time! Te espero!).
Rodrigo carimbou a proposta ali mesmo. Prometeu ficar de olho vivo nas placas e virar garoto propaganda das leis de trânsito. Desculpou-se pela infração e partiu.
Feliz, o guarda Ivan observou sua nova contratação sumir em direção ao parque. Antes de entrar na viatura, retirou o bloquinho do bolso e arrancou a página da multa. Com um sorriso maroto, transformou-a numa bolinha e a jogou para o alto. Na sequência, matou no peito, fez três embaixadinhas e com um chute preciso acertou a pelota de papel dentro da lata de lixo.
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