por Washington Fazolato
O juiz mexicano Marco Antonio Rodriguez ainda não havia apitado o final da partida no Mineirão e as entranhas do futebol brasileiro já estavam em ebulição.
A seleção da Alemanha tocava a bola de um lado para o outro, aguardando o final do jogo mas movimentos sísmicos indicavam que nada seria como antes no futebol brasileiro.
O futebol penta campeão acabara de ser humilhado diante de sua torcida, no seu país, com transmissão para dezenas de países. Pior, não foi uma derrota qualquer.
O 7×1, acachapante, poderia trazer de volta o temido “complexo de vira-latas”, tão bem analisado pelo saudoso Nelson Rodrigues. O grande Nelson vaticinara que havíamos nos livrado dele no bicampeonato na Suécia.
E agora?
O governo federal, para surpresa geral, agiu rápido.
Embora a Confederação Brasileira de Futebol seja, para todos os efeitos, uma entidade privada, durante a noite e madrugada, a movimentação foi intensa. O dia seguinte ao massacre alemão iniciou com a chegada de presidentes de todas as federações à suntuosa sede da entidade no Rio. A esse grupo somou-se autoridades do governo, Ministério do Esporte, etc. Mas ao longo do dia outros personagens – esses, do ramo – foram chegando. Dirigentes de grandes clubes, ex-jogadores consagrados, com carreiras como gestores de futebol no Brasil e no exterior. Jogadores da chamada “velha guarda”, como Evaristo de Macedo, o ex-técnico Rubens Minelli e outros. Apesar do esforço dos repórteres, a única coisa que se sabia é que haveria mudanças. E as reuniões prosseguiam.
Um dia, dois, três, quatro dias e finalmente, no domingo – o jogo, vocês lembram, foi numa terça-feira – saiu o anúncio das mudanças. Na sede da CBF, com grande pompa e circunstância, com transmissão para todos.
A medida mais bombástica foi o anúncio de que, a partir daquela data, só jogadores que atuassem em território nacional seriam convocados. O impacto do anúncio ainda ecoava e outros se sucediam: proibição de negociação de jogadores abaixo dos 18 anos para times estrangeiros; os técnicos das categorias de base da CBF seriam nomes consagrados, ex-técnicos que inclusive tinham sido sido treinadores da seleção principal; os campeonatos e torneios dessas categorias passariam a ter atenção total da CBF; seria instituído um programa nacional de “olheiros”, com a participação e colaboração de gente experiente na prospecção de talentos; empresários que atuavam no meio do futebol teriam que apresentar farta documentação à Receita Federal; o quadro de árbitros passaria por total renovação; a CBF, através de uma equipe montada para esse fim, acompanharia de perto as negociações de patrocínio, etc.
Os resultados demoraram um pouco, mas começaram a surgir. Sem a presença de “medalhões” importados, a primeira convocação deu chance a vários jogadores que nunca haviam vestido a amarelinha. Num efeito cascata, as torcidas, que voltaram a ter a oportunidade de ir aos estádios ver jogadores da seleção jogando por seus times, apoiaram. O Brasil se classificou em primeiro lugar nas Eliminatórias, sem sofrer derrotas. A conquista da Copa do Mundo em 2018 mostrou o resultado de um trabalho sério e que poderia render ainda mais. O tão desejado hexa chegou!
O bom trabalho feito na base, com gente séria e comprometida, conhecedora do ramo, foi decisivo. Nos clubes, sem a praga dos empresários dando as cartas, jogadores descobertos nas peneiras Brasil afora começaram a brilhar. Todo o processo de descoberta de talentos foi repaginado. O que importava agora era ter talento e garra. Consequentemente, o Brasil começou a acumular títulos mundiais nas categorias de base, desde o Sub-17. Obedecendo a uma lógica, a seleção passou a ser montada tendo por base os times melhores posicionados no ranking da CBF, acrescidos de destaques e revelações.
Nossa seleção chegaria ao hepta na Copa do Mundo de 2022, com uma campanha brilhante. Vitórias incontestáveis, desde a estreia, culminando com uma vitória definitiva sobre a França, por 3×0. Como destaques do elenco, jogadores destaques do Palmeiras, Flamengo e Atlético-MG, melhores do ranking brasileiro da temporada anterior, outros que brilharam nos títulos das categorias de base, conduzidos com maestria pela comissão técnica, formada por um colegiado. Apesar do bombardeio incessante dos empresários, que viram a galinha dos ovos de ouro ir embora e de parte da mídia, inconformada com o fim de benesses e privilégios do contexto anterior, nossa seleção brilhava novamente. Nossa seleção ressurgia, mas precisamos descer ao inferno e humilhação dos 7×1 para ressurgir como uma fênix!
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