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A PEQUENA COBAIA DE DEUS, O VELHO ALEMÃO E UMA PARTIDA EM WEMBLEY

4 / maio / 2018

por Marcelo Mendez

Era tudo branco.


Depois que minha cadeira de rodas adentrou o CTI, eu só via branco por todos os lados. A parede, o chão, o teto, as roupas, os médicos. Aliás, eu já não tinha mais as roupas. Quando cheguei em casa mal, minha mãe correu comigo e, então, dei entrada no hospital com a roupa do Nacional do Parque Novo Oratório.

Mas me tiraram ela.

No lugar da minha camisa 10, me deram um camisolão branco, que deixava minha bunda de fora, mas esse não era o maior dos problemas. Eu estava zonzo, não sentia as pernas, tomei uma anestesia pesada, mas não dormi.

Do transe que era estar ali, aliado com todos os medos que eu tinha de tudo que tava me acontecendo, o pior era ficar sozinho. Eu tinha 11 anos de idade e nunca tinha sido separado dos meus pais, da minha irmã, dos meus primos e amigos. Nenhum deles ali.

No lugar, uma cama, várias agulhas de soro, o irritante barulho do aparelho em coração de outro e toda a agrura de estar só. Minha doença era transmissível e então eu fui impedido de ter contato com as pessoas, de receber visitas, de ter alguém ali comigo. A incerteza foi a tônica por aqueles dias CTI.

Dores de cabeça, choros noturnos, medo; Passei por tudo naqueles dias absurdamente cumpridos. Eu não sabia quantos, descobri quando o médico veio falar comigo em uma manhã cinza de maio:

– Fala, Craque; Eu analisei seus exames, estou aqui te consultando e depois de seis dias, você melhorou bastante. Vou pedir para ligarem para sua casa, vou te dar alta daqui. Você vai para o quarto.

Era dia 8 de Maio de 1981. E nunca mais na vida, gostei tanto de um quarto como aquele que ele me mandaria…

O Quarto…

Os dias seguiam no Hospital Santo André.

No quarto onde eu estava tinha eu, Dionísio e Seu Nelson. Dionísio tinha 42 anos, era metalúrgico, trabalhava na Cofap e estava la por conta de uma cirurgia para retirada de pedra nos rins. Seu Nelson tinha 77 anos e cuidava de uma complicação cardíaca, um troço muito grave.

Por conta disso, do avançado da doença e da idade, ele quase não falava. Dionísio era com quem eu mais conversava. A convivência com ele me ajudava passar as horas, as visitas ainda não estavam totalmente liberadas, só podia ver meu pai e minha mãe, nem minha irmã podia me visitar. Então foi ele quem se tornou o meu maior parceiro.

– Sabe Dionísio, amanhã o Brasil joga lá na Europa!

– Ah é. Li hoje no jornal.

– Pô… Queria ver esse jogo, mas aqui, sem chance.

– É. Tv só nos quartos particulares e no nosso andar só tem o do Velho chato lá do final do corredor…

– Que Velho?”

– Ah, é um Velho lá, um Alemão, tal de Gunther. Mas Marcelo, vê lá o que você vai fazer. Você tem que ficar de repouso, seu Pai pediu pra eu ficar de olho em você. E o Velho la é um puto de chato!

– Tá, Dionísio, tá bom!

Fui dormir pensando nisso e no outro dia, já tinha tudo confabulado…

Gunther…


Como parte da minha recuperação, o médico me mandou dar uns passos pelo corredor do Hospital.

Segundo ele, 100 passos pela manhã. Eu já me sentia bem melhor e então sempre dava umas andadinhas a mais. E foi com essas andadinhas que eu cheguei até a área onde ficava o quarto particular do nosso andar. Me aproximei da porta.

Parados, dois caras grandões me olhavam curiosos. Um deles, falou comigo:

– Ei moleque, que você tá procurando aqui?

– Nada que cê possa me ajudar a achar.

O outro grandão riu dele. Ele voltou a falar:

– Moleque abusado. Sai daqui, isso é um quarto particular!

– Eu num tô no seu quarto. Tô no corredor e vou ficar aqui!

Nessa hora, ele ficou bem bravo e o outro já não ria. Eles vieram até minha direção, sei lá o que fariam, mas daí uma voz forte, grossa, grave, veio lá do quarto:

– Que está acontecendo aí fora?

Não deu tempo de respondê-lo e ele já estava na porta. Um homem branco, enorme! De barba branca, bengala, rosto meio avermelhado. Os dois correram acudi-lo e ele os empurrou e xingou. Contaram a ele o que tinha acontecido e ele ouvia como se eu não tivesse lá. Mandou que um fosse ao interfone chamar alguma enfermeira e depois falou comigo:

– Como é teu nome?

– Marcelo!

– Sim e o que você tá fazendo aqui, Marcelo?

Respondi de primeira:

– Eu vim porque me falaram que no quarto do Senhor tem uma TV. E eu queria ver o jogo do Brasil, o senhor deixa?

– Jogo… Eu não tenho nada com isso de jogo. Vai pra seu lugar, a enfermeira ta chegando!

– O Senhor não gosta porque seu time é uma baba. A Alemanha tomou um baile da gente. Deveria assistir pra o senhor ver como jogo bola..

– Do que você tá falando, moleque? Eu não gosto de bola, de nada, vai embora.

– Eu vou. Mas o senhor é muito triste. Deve ser ruim ser assim.” – Falei e fui embora frustrado, encontrando com a enfermeira que chegou no corredor. Nessa hora ele chamou:

– Ei. Que horas é esse jogo?

– À tarde, Três da tarde!

– Hum. Ta bom. Pode vir aqui, ver” 

– Sério??

– Sim, pode…

Nessa hora, depois de 15 dias, eu corri uns 10 metros pelo corredor e pulei para abraçar o Velho Gunther. Os dois grandões que la estavam, seguraram a gente, visto que Seu Gunther andava fraco.

Descobri então que eles eram seguranças de Gunther, que o Velho Alemão era empresário, tinha uma fábrica de molas em São Bernardo, que estava ali cuidando de um câncer. Cheguei no quarto, contei pra Dionísio e ele me deu uma dura. Fui na sacola das minhas roupas e peguei a camisa do Brasil que a prima Lourdes me deu.

Às 15 horas fui para o quarto de Gunther para assistir o Brasil vencer a Inglaterra por 1×0 gol de Zico. Na verdade, outras coisas foram mais legais naquela tarde, outras histórias.

Foi a hora de conhecer Velho Gunther. E através desse fato, saber de muitas outras coisas da vida…

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