por Flávio Carneiro
Em 2013, fiz parte do mais inusitado time de futebol de que se tem notícia, o Pindorama.
A estranheza começava pelo fato de ser um time de escritores. E escritor joga bola? Na maioria dos casos, não. E neste caso, também não. Alguns nunca tinham entrado num campo oficial na vida, outros desconheciam solenemente um par de chuteiras. E sendo um time de escritores brasileiros, não foi fundado por brasileiros, mas por uma alemã!
Por iniciativa de Stefanie Kastner, do Instituto Goethe de São Paulo, e com apoio da Federação Alemã de Futebol, criou-se o escrete brasileiro, para defender as cores da pátria num jogo contra a seleção alemã de escritores. A peleja fez parte da programação oficial da Feira do Livro de Frankfurt, uma das mais importantes do mundo e que, naquele ano, teve o Brasil como país homenageado.
(Além do jogo, participamos de debates e lemos em público nossos textos sobre futebol, que foram traduzidos e projetados num telão, além de terem sido publicados em edição bilíngue e distribuídos durante o evento. Foi legal, mas quero falar é do jogo.)
Num fria e tenebrosa noite de outubro, zero grau, chuva fina, ouvimos perfilados o hino nacional. Quando me dei conta o Gustavo Bernardo, ao meu lado, chorava copiosamente. De emoção ou de medo?
Postados em campo, eu só via altos e magros alemães. O time deles foi criado em 2005, tem técnico, preparador físico, médico, acho que até psicólogo (nós é que precisávamos). Além disso, treinam uma vez por semana e jogam com frequência.
Começa o jogo. Eles apenas trocando passes, respeitando a amarelinha. Com cinco minutos, porém, caiu a ficha e eles pensaram: onde foram arrumar esses caras? Então partiram para cima. Uma avalanche. Final do primeiro tempo: 6 x 0.
Saindo de campo no intervalo, nosso lateral-esquerdo, o Antonio Prata, coloca a mão nomeu ombro e pergunta: o que vamos fazer agora? Tomar cerveja e comer salsicha com chucrute, respondi. Era o que deveríamos ter feito.
Atletas a postos para o início do segundo tempo, o juiz repara que está faltando um no nosso time. Nosso goleiro, o Júlio Ludemir. Júlio sumiu, eis o nome do filme. De repente ele entra esbaforido e assume seu posto, sem maiores explicações.
Segue a partida, com a torcida toda a nosso favor, por simpatia ou pena. Dentre os torcedores, a Lucia Riff, única agente literária do mundo que acompanha escritor num jogo de futebol (gratidão eterna e vergonha para sempre). E muitas crianças, que entraram em campo com a gente e, tolinhas, continuavam acreditando que éramos o time do Neymar.
Lá pelos quarenta e tantos do segundo tempo, nosso zagueiro Rogério Pereira pergunta ao árbitro quanto tempo faltava. Estava 9 x 0.
– Já acabou. Só estou esperando vocês fazerem um gol.
– Então marca um pênalti pra gente.
– Cai na área que eu marco.
Dito e feito. Escanteio para o Pindorama, bola alçada na área e o Rogério desaba, em atuação digna de um Oscar. O juizão cumpre o combinado, gol do Pindorama. Final: 9 x 1.
Um ano depois, na Copa, o Brasil perde para a Alemanha por 7 x 1. Então o Luiz Ruffato, que nem viu nosso duelo na arena de Frankfurt e acha que entende de futebol, diz numa entrevista que a derrota do Pindorama um ano antes vinha comprovar a tese: escritores estão sempre à frente do seu tempo! (Tudo bem, já reatamos nossa amizade.)
E teve o jogo da volta, em São Paulo, mas aí a história foi outra. Na próxima eu conto.
Texto originalmente publicado em O Popular. Goiânia, 21/05/2016.
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