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A PARTIDA PERFEITA

19 / abril / 2024

por Zé Roberto Padilha

O Estádio Rei Pelé, em Maceió, é um daqueles templos sagrados do futebol brasileiro que foram inaugurados durante o “Milagre econômico ” da década de 70. Quando você está jogando por lá a laje fecha sobre você e te engole, como no Mineirão, canalizando o eco da torcida para perto de onde você vai bater o corner. Como no Serra Dourada, no antigo Olímpico e no Maracanã.

De lá, bem longe, entre Bahia e Pernambuco, numa quarta-feira à noite, durante o Campeonato Brasileiro de 1978, jogando pelo Santa Cruz, contra o CRB, guardo uma das mais marcantes lembranças e lições da minha carreira como atleta profissional de futebol.

Em 17 anos com carteira assinada, foi ali que exibi talvez a única atuação perfeita com a bola nos pés. Qual desportista, ator, médico ou engenheiro não se lembra do dia em que acertou tudo durante a prática do seu ofício?

Naquela noite iluminada, em que Júpiter deve ter se entendido com Netuno, as cartas e os Búzios conspiraram a meu favor, devo ter errado apenas dois das centenas de passes que realizamos em média durante as partidas. Jogadas de linha de fundo? Em três das seis tentativas deixei o lateral para trás e acertei o cruzamento na cabeça do Nunes. No outro, para um voleio do Betinho e, pra fechar o placar de 3×0, um cruzamento certeiro para um peixinho fatal de Luiz Fumanchú.

Durante essa abençoada partida não corria. Voava. E enquanto saboreava minha própria atuação, pensava: mas por que justo ali, longe da grande mídia, tendo como testemunha apenas a Rádio Clube de Pernambuco e da Gazeta de Alagoas? Por que não no Maracanã em um daqueles Fla x Flu que joguei?

Se tivesse iluminado daquele jeito defendendo camisas pesadas, de empregos anteriores, certamente seria convocado para a seleção. Como aprendi a não discutir com o destino, e ele quis que fosse ali meu dia de Rivelino, que tal tentar uma bomba de fora da área?

Juro, arrisquei e a bola passou raspando a trave.

É impressionante o que pode alcançar a mente, jogava e pensava, uma vez desobstruída das limitações cotidianas que nós mesmos nos impomos.

Terminada a partida, parti para o vestiário como um atleta olímpico que alcançara um recorde e se preparava para subir ao pódio. Passei pelo meu treinador, Evaristo Macedo, que disse:

– Valeu, garoto!

Mas como valeu se eu nunca havia atuado antes daquele jeito?

E fui encontrando pelo caminho repórter alagoano, narrador pernambucano, jogadores adversários e me trataram como quem tivesse jogado uma partida qualquer.

Mal sabiam que havia treinado muito, evitado noitadas, cigarros e bebidas alcoólicas para um dia atingir a perfeição. E quando chego próximo dela, ninguém foi capaz de reconhecer. E se o meu máximo não causou a mínima atenção, entrei no vestiário bem arrasado.

Não tinha medalha, pódio, hino nacional, um abraço apertado e, muito menos, um Motorádio me aguardando. E quando me dirigi a balança na qual seu Amauri, um simpático funcionário do Santa Cruz, nos pesava, antes e depois das partidas, após conferir o que tinha perdido, ele me confidenciou baixinho:

– Que atuação, hein, Zé Roberto. Hoje, você foi perfeito!

Que alívio senti naquele instante. Não fiquei prosa ou mascarado, apenas feliz. E aliviado. Afinal, de que valeria a busca pela perfeição, em qualquer profissão, se quando a alcançamos, nem que seja por apenas 90 minutos, ninguém for capaz de perceber seu esforço e obstinação?

Depois dessa partida, até 1985, quando encerrei minha carreira no Bonsucesso, continuei a ser o Zé Roberto de sempre. Aplicado e determinado, nunca mais o Zico, um Rivelino, um Gerson, mestres que me concederam aulas com chuteiras ao meu lado.

Mas foi com seu Amauri que aprendi uma nova lição. E adotei um novo hábito.

Sempre que assisto de perto uma performance acima da média, e que me encante, faço questão de esperar o final da partida, da peça de teatro, do show do rapaz que fez o papel de Michael Jackson no Vivo Rio para lhe dar um abraço.

Só eu sei o que foi preciso para conseguir ser um dia perfeito no que fazia. E jamais me esqueci como a indiferença e o descaso são capazes de nos abater minutos depois de tal conquista.

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