por Paulo Roberto Melo
Mês de junho. Mês dos namorados. Li por esses dias que com a quarentena, havia caído o número de casos extraconjugais, afinal, a obrigação do isolamento forçou as pessoas a ficarem em casa e consequentemente (ao menos fisicamente) serem mais fiéis. Portanto, esta é a ocasião perfeita, para ser posta à prova a paixão dos casais.
Paixão, amor, fidelidade e… futebol! Lembrei de imediato do meu pai, vascaíno ferrenho, que só tinha olhos para os jogadores do Vasco. Todos os outros jogadores de todos os outros times eram no máximo suportados, tolerados. Alguns, mediante qualquer estrago feito ao Vasco, em forma de gol ou declaração diminuindo o clube de São Januário, eram colocados em uma lista negra de ódio e dos piores desejos que um torcedor pode ter.
Ao longo de quarenta anos acompanhando futebol junto com meu pai, houve dois casos em que ele teve que mudar de opinião.
O primeiro aconteceu com o Tita. Jogador da base do Flamengo, o craque, junto com o Esquadrão do final dos anos 70 e início dos 80, maltratou o Vasco. Tita fez o gol de cabeça dando o tricampeonato carioca ao Flamengo em 79, contra o Vasco. Além disso, mostrava em campo uma técnica e uma superioridade que para o meu pai eram imperdoáveis. Algumas vezes o ouvi dizer: “Queria ser jogador de futebol por um dia! O Tita ia ver!”
Pois bem, o Tita saiu do Flamengo. De 1983 até 1986 jogou em Porto Alegre defendendo Grêmio e Internacional. Em 1987 chegou ao Vasco e coube a ele o golaço que deu o título carioca daquele ano, sobre o Flamengo. Meu pai?! Ai de quem abrisse a boca para falar mal do Tita! “Cracaço!” “Eu tenho a certeza de que ele está mais feliz agora no Vasco!”
O segundo caso foi com o Romário. Cria do Vasco, artilheiro implacável e debochado com os outros times, o Baixinho desfilava, pra deleite do meu pai, sua irreverência e seu futebol. Fez dois gols na final da Taça Guanabara de 1986 contra o Flamengo e foi colocado no altar destinado aos ídolos.
Em 1988, depois das Olimpíadas de Seul, Romário deixou o Vasco. Menos mal, que foi jogar na Holanda e depois na Espanha. Mas, em 1995, tendo ganhado a Copa de 94 e sido eleito o melhor jogador do mundo, veio para o… Flamengo. Pronto! Perdeu o lugar no altar e até o seu sorriso foi motivo de ódio para o meu pai.
Mas, como cantou Renato Russo: “Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?”
Quis o destino, os deuses do futebol ou uma escapada da concentração, que Romário saísse do Flamengo e fosse acolhido pelo seu clube de origem, o Vasco! Confesso que cheguei a pensar que dessa vez meu pai se manteria irredutível e não perdoaria aquela vil traição. Mas, logo pela manhã, depois da concretização da volta do Baixinho, meu pai me mostrou um jornal com uma foto enorme do Romário. “Olha o sorrisinho maroto dele!” E lá foi o Gênio da Grande Área ser entronizado de novo…
Esses dois casos ilustram de forma categórica o que um dia meu pai me disse: “Os jogadores terminam a carreira. O clube continua!” Pura e simples verdade. Neste momento, parece que escuto sua voz falando isso.
Ao escrever este texto, lembrei-me de outras “infidelidades futebolísticas”. No próprio Vasco, com Edmundo que jogou no Fla e no Flu. Edilson, do Palmeiras ao Corínthians. O corintiano Neto, jogando por São Paulo e Palmeiras, além do próprio Corínthians. Geraldão, que defendeu a dupla Grenal, além do já citado Tita. Reinaldo, ídolo do Galo, que chegou a jogar no Cruzeiro. E tantos outros, que partiram nossos corações apaixonados pelo futebol.
Na verdade, tanto para o amor quanto para o futebol, continua valendo o verso de Vinicius de Moraes no Soneto da Fidelidade: “Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure.”
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