por Marcos Vinicius Cabral
Em um momento de introspecção que só as mentes brilhantes como a do não menos brilhante Paulo Roberto Falcão é capaz de pensar, o lendário camisa 5 do Sport Club Internacional disse, certa vez, que “o jogador de futebol morre duas vezes: uma quando para de jogar e a segunda quando se despede da vida”. Mal sabe o rei de Roma que se o jogador de futebol morre duas vezes, nós, torcedores, morremos muitas.
A questão é que não temos explicação para o desaparecimento físico em definitivo de alguns expoentes no mundo da bola e tampouco acostumamos-nos a conviver com a tanatologia deles. Quando a interrupção definitiva da vida é de um familiar ou pessoa próxima, a dor não é efêmera. Mas se tratando de um jogador de futebol, esporte que mexe com a paixão, forja idolos, e altera o sentimento dos torcedores. Pior ainda.
Nunca é demais dizer que temos dificuldade em compreender a morte, que surgiu na história da humanidade como um ‘recall’, pois, originalmente, ela não fazia parte de nossos ‘acessórios’. O desafio é, até aqui, administrar a ausência que o ‘nosso’ jogador faz e que isto não torne-se algo depressivo. Muito pelo contrário, lembrar deles nos liberta das ‘algemas da saudade’ de quem os viu em campo com atuações estupendas, gols inesquecíveis, títulos que permanecem no hipocampo (localizada nos lobos temporais do cérebro humano, considerada a principal sede da memória), a entrega a todo instante dos 90 minutos de um jogo de futebol, e o amor irrestrito que cada um demonstrou à camisa que vestiu. Ou seja, motivos mais do que suficientes que alegram o coração de quem é, na essência conquistada por quem alimenta-se de futebol, respira futebol, e é apaixonado por futebol.
Mas venho por meio deste texto, quiçá crônica, como você preferir, fazer jus ao recrudescimento de quem foi gigante dentro de campo como Pelé, Roberto Dinamite, Zagallo e Franz Beckenbauer.
Para sintetizar os gols, ninguém melhor do que Pelé, que saiu de cena no dia 29 de dezembro de 2022, às 15h27, em decorrência da falência de múltiplos órgãos, resultado da progressão do câncer de cólon. O rei, verbete no dicionário, obrigou pobres camisas 1 a irem buscar a bola no fundo das redes 1.281 vezes.
Quis o destino que dez dias depois, no dia 8 de janeiro de 2023, um outro exuberante camisa 10 do futebol brasileiro saísse de cena. Maior nome da história do Vasco e uma máquina imparável de fazer gols chamada Roberto Dinamite, aos 68 anos, repousou para a eternidade após tentar desvencilhar-se da marcação implacável de um câncer de intestino. Bob, lembrado carinhosamente até hoje, mantém insuperáveis 190 bolas nas redes em toda história do Campeonato Brasileiro.
Já Zagallo, que cultivou a superstição do número 13 nos lugares onde esteve e clubes que dirigiu, elevou o verde e amarelo nas conquistas das Copas do Mundo de 1958, 1962, 1970 e 1994 mundo afora. Se Pelé é verbete de dicionário, Mário Jorge Lobo Zagallo, único tetracampeão em Copas do Mundo, é sinônimo de vitória.
E, por fim, Franz Beckenbauer, gênio a quem a bola obedecia, morreu dormindo no domingo (7) de janeiro deste ano. O Kaiser, como era chamado, lutava contra a doença de Parkinson e demência, além de ter passado por várias operações cardíacas nos últimos anos. A cena com um braço enfaixado em razão do ombro direito deslocado em plena prorrogação na semifinal contra a Itália, na Copa do Mundo de 1970, em gramado mexicano, mostra a entrega de um craque que vestia a camisa 5 elegantemente e serviu de exemplo.
A vida segue o rumo. É como a correnteza de um rio que vai numa única direção desviando das pedras até desaguar em um lago, um mar ou um oceano. Não sabemos o destino exato. Parte da magia do futebol que aprendi a amar está indo embora. Resta-me o fio de esperança para que esta geração e as próximas venham saber quem foram – além de Pelé, Roberto Dinamite, Zagallo e Franz Beckenbauer – Maradona, Cruijff, Garrincha…
Belíssimo texto!