por Sergio Pugliese
Volta e meia me perguntam se as histórias contadas aqui realmente são verdadeiras. Difícil acreditar, mas são!!!! Por isso, fazemos questão de fotografar os personagens, ouvir testemunhas e confirmar com até três peladeiros, como se isso fosse garantia de alguma coisa, mas… Se não me cercasse desses “cuidados” me chamariam de mentiroso quando contei, por exemplo, a história de um boi que despencou de um morro, caiu dentro de um campo e virou churrasco. Não é Sérgio Sapo??!!! Aí, conversando, outro dia, com o parceirão Armando Pittigliani, o Pitti, no Clube dos Trinta, em São Conrado, escuto uma pérola envolvendo o saudoso Cafuringa, ídolo tricolor, e, claro, duvido. Para quê??? Pitti abriu seu baú abarrotado de preciosidades e calou o meu bico.
– É verdade, o Cafuringa forjou uma dor de barriga para sair no intervalo de um jogo do Fluminense, no Maracanã, para não perder uma pelada, na Tijuca!!! – garantiu.
Era uma quarta-feira, 31 de março de 1971, e Pitti prometera levar um time para jogar apostado contra o Country Clube Tijuca. Alguns dia antes, como de hábito, recebeu uma ligação de Cafuringa, fiel companheiro de peladas, para saber como estava a programação futebolística da semana. Pitti falou que tinha duas notícias, uma boa e outra má. O folclórico ponta preferiu ouvir a boa primeiro. Tinha jogo!!!! E a má? Seria quarta-feira, dia de Fluminense x Campo Grande.
Surpreendentemente, Cafuringa disse que daria um jeito e falou para Pitti esperá-lo às 22h30, na estátua do Bellini.
– Não contrariei, afinal seria o nosso maior reforço – recordou Pitti, que chegou bem antes da hora ao local marcado.
Pitti, na época com 36 anos, era diretor do Departamento de Serviços Criativos da gravadora Phonogram (depois Polygram e, hoje, Universal) e organizava peladas memoráveis!!! Jogava, entre outros campinhos, no Piraquê, Caiçaras, Clube dos Trinta, Country Clube da Tijuca e Polytheama. Seus parceiros mais constantes eram Amaral, Rochinha, Mauro Laviola, Zé Britto, Amaury, ex-goleiro do Botafogo, Jorge Bem, Sylvio Cesar, Chico Buarque, Betinho Cantor, Paulinho Tapajós, Ronaldo, do Golden Boys, o quarteto do MPB4, Paulinho da Viola, Erlon Chaves, Zeca do Trombone, o saudoso Miéle, João Carlos Barroso, Nuno Leal Maia, Francisco Cuoco, Arnaud Rodrigues, Dary Reis e Reynaldo Gonzaga.
– Fui com os amigos Sebastião Amaral e o goleiro Três Com Goma, integrante do Trio Nordestino, e ficamos na arquibancada, ligados no meu inseparável radinho de pilha – contou.
O Fluzão, do presidente Francisco Laport, disputava a liderança e precisava vencer para continuar na cola do Botafogo. O time era bom! Félix, Oliveira, Denilson, Galhardo, Assis e Marco Antônio, Cafuringa, Didi, Flávio, Ivair e Lula. Jorge Cury, pela Rádio Nacional, e Waldyr Amaral, pela Globo, arrasavam nas transmissões e fizeram o estádio explodir narrando os dribles de Cafuringa e o cruzamento certeiro para a cabeçada do príncipe Ivair abrir o placar. Alguns minutos depois, para espanto geral, Cafuringa, o ponta com fama de não fazer gols, pegou um rebote na área e marcou o segundo. Embora o atacante tenha sido campeão carioca pelo Fluminense quatro vezes, nunca brigou pela artilharia, mas consagrou vários centroavantes, como Ivair e Flávio.
– Quando terminou o primeiro tempo eram dez horas e duvidei que ele não voltasse para o segundo tempo.
A ideia era ver o início do segundo tempo e correr para o Country Clube Tijuca. Porém, às 22h15, o repórter de campo interrompeu os comentários de Ruy Porto para informar que Wilton substituiria Cafuringa. Ninguém tiraria Cafuringa naquele dia. A torcida chiou!!!! Mas entendeu quando veio a explicação: “desarranjo intestinal, passou o intervalo todo na privada”, informou Kleber Leite. Pitti, Sebastião e Três Com Goma foram os únicos a comemorar. Quem poderia imaginar que aqueles três malucos correndo desesperados em direção à Estátua do Bellini estavam indo resgatar Cafuringa para uma pelada????
– Foi mágico! Cafuringa chegou e nos abraçamos como crianças – comentou, feliz da vida.
No clube, os tricolores que ouviam a partida não entenderam nada!!! Mas Cafuringa não estava jogando??? O craque, dedo indicador cruzando a boca, pediu silêncio, “chiii, não espalha”. Gargalhada geral!!! No Maracanã, final 2 x 1 e o Fluzão campeão naquele ano. No Tijuca, o time do Pitti maltratou o adversário, 8 x 3, e o ponta fujão emplacou três. Ali, na pelada, braços dados com a irreverência, Cafu dava as cartas, era o grande artilheiro!
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