por Marcos Vinicius Cabral
Deitado na cama debaixo dos cobertores, entre meus avós maternos, eu ouvia os jogos do Flamengo na Libertadores de 1981, no radinho de pilha vermelho encardido e com escudo do rubro-negro na parte superior já carcomido pelo tempo.
Minha avó Margarida sofria de surdez há anos – minha mãe dizia ter sido em virtude de um golpe do sereno em uma madrugada contundente como outras tantas em Nova Friburgo – e meu avô José, de cirrose hepática, em virtude do alcoolismo que o acompanhava desde muito jovem.
Eu, com apenas 8 anos de idade, me lembro apenas dos gols do Flamengo na competição, por causa da maneira efusiva com que meu avô comemorava aqueles momentos, ouvindo o grito eloquente de Jorge Cury, então radialista da Rádio Globo.
A conquista daqueles títulos (Carioca, Libertadores e Mundial) foi para meu avô, a maior alegria que o Flamengo poderia proporcioná-lo até o seu falecimento, dois anos mais tarde, após o tricampeonato nacional, conquistado com um supremo 3 a 0 contra o Santos, em pleno Maracanã.
Por isso, até hoje, para os 32,5 milhões de rubro-negros (segundo pesquisa do Ibope realizada em maio deste ano), nunca houve na história de um clube a magia e encantamento dos números de determinadas camisas.
Cada um tem seu peso e sua representatividade ao longo desses 122 anos do Clube de Regatas do Flamengo.
Esse feito não será tão cedo esquecido ou apagado da cabeça do torcedor, principalmente em virtude das participações vexatórias do Flamengo de uns tempos para cá, o que torna mais vivo ainda a façanha desses jogadores.
A força dos números, título escolhido por este péssimo missivista, confronta questões através de fatos e comprovam que poucos clubes no Brasil se tornaram inesquecíveis.
O Flamengo de 1981 é um deles!
Vale salientar que esses onze heróis cravaram seus nomes na galeria dos imortais rubro-negros, sendo jamais esquecidos por aquele menino de oito anos, que dormia encolhido no meio da cama onde seus avós maternos dormiam.
Nas noites silenciosas da serra friburguense, ouvia-se o velho José gritar gol ou sorrir com as vitórias conquistadas por Zico & Cia.
Hoje, passados 36 anos anos desta conquista contra o Liverpool, me vem à mente que parece que foi ontem e, mesmo já se encaminhando para quatro décadas desse triunfo, alguns desses heróis têm uma parcela de glória em incontáveis percalços enfrentados e vencidos por eles.
No vale das lágrimas, cada um chorou a sua dor, reescreveu o seu nome em letras douradas e garrafais e sorriu com a certeza do dever cumprido.
Portanto, não podemos esquecer do goleiro RAUL, número 1, que veio de Minas Gerais com a fama de ter quebrado paradigmas, sendo o primeiro arqueiro do futebol brasileiro a usar uma camisa amarela.
Este fato provocou uma celeuma sem precendentes à época e o “velho” conviveu por alguns anos com os gritos dos rivais que o chamavam de Wanderléa – cantora famosa da Jovem Guarda – tentando em vão desconcentrá-lo nos jogos.
Se tal motivo não fora suficiente para acabar de uma vez por todas com a carreira de um dos maiores goleiros surgidos no futebol brasileiro, vencer os olhares desconfiados da exigente torcida rubro-negra já pode, sim, ser comemorado como uma vitória.
A camisa 2, imortalizada por um cabofriense de pernas arqueadas e olhos verdes penetrantes, foi um divisor de águas no Flamengo e por que não dizer, no futebol brasileiro: LEANDRO.
Não houve e jamais haverá um jogador tão completo como o “peixe-frito”, que soube como poucos sintetizar dentro das quatro linhas a magia e o encanto de um defensor que inovou na posição de lateral-direito ou jogando em outras posições conforme necessidade.
Foi com ele que vi pela primeira vez os pontas se preocupando em marcar um lateral, limitando-se nas investidas ao ataque.
Esse foi gênio, foi o “Papa” da lateral e sem sombra de dúvidas, o maior da posição, isso sem falar de ter vestido apenas o manto, lhe credenciando um lugar cativo em nossos corações.
Já MARINHO, com a camisa 3 rubro-negra, fez 218 jogos na Gávea de 1980 a 1984 e ajudou o Flamengo em importantes conquistas.
Não era clássico mas fez história no clube por ter conquistado os maiores títulos, em um ano que nenhum de nós vai esquecer.
Dentro das quatro linhas, havia um zagueiro intransponível chamado MOZER – um camisa 4 autêntico – e que era sinônimo de respeito.
Jogador de boa técnica, transmitia até nas gotas de suor em cada partida uma tranquilidade incomum para sua posição, sendo temido pelos atacantes adversários.
Na extremidade do lado esquerdo do campo, um Leovegildo na certidão de nascimento se tornou em JÚNIOR e fez história com a camisa 5, com futebol, títulos, recordes de partidas no clube, longevidade e principalmente, por ser um dos maiores laterais esquerdos do Flamengo.
Se anos mais tardes se tornaria referência para garotos – que tiveram carreiras brilhantes em outros clubes – no Brasileiro de 1992 ninguém melhor do que ele soube encarnar o sentido da segunda pele: a rubro-negra!
Já a camisa número 6, usada por ANDRADE, ficou marcada pela elegância do craque dentro de campo e por ter sido ele o último grande cabeça de área romântico do futebol brasileiro.
O “Tromba” foi um daqueles que marcavam com eficiência e jogavam com habilidade. Dessa forma, deixou em nós uma saudade imensurável do que produziu ao longo de sua carreira no Flamengo.
Porém, nem o fato de ter sido campeão brasileiro vestindo a camisa do arquirrival Vasco da Gama, em 1989 e 1990, maculou sua trajetória no clube com quatro brasileiros conquistados como jogador (1980, 1982, 1983 e 1987) e um como técnico (2009), no time fabuloso de Bruno, Pet e Adriano.
Um dos números mais místicos do futebol, a camisa 7 – de Garrincha, Jairzinho e Renato Gaúcho anos mais tarde – nunca coube tão bem em um jogador, como TITA.
Criado na base do clube, viveu uma grande fase no Flamengo e seria – como foi algumas vezes – o sucessor à altura do Zico.
Talvez tenha tido a infelicidade de se sentir mais à vontade jogando na posição do Galinho, que era, convenhamos, o maior e mais completo camisa 10 do clube.
Mas isso não o diminuiu pois foi um atleta semovente e por onde passou fez história, inclusive no Vasco, assim como Andrade.
Já a função de armar as jogadas e ser o cérebro do time coube ao neguinho bom de bola, chamado ADÍLIO.
Dono de uma habilidade incomum, por muitas vezes decidia as partidas e mostrava uma eficiência que só os grandes jogadores têm dentro de campo.
Não se limitou a ser apenas o maior camisa 8 do Flamengo, mas também do futebol brasileiro, arrancando aplausos por onde jogou.
Se quando criança pulava os muros imponentes do clube, para realizar seu sonho de jogar futebol, os tombos lhe serviram de lição para não desistir do seu objetivo: ser campeão do mundo.
Gols, gols e gols… ninguém melhor que o “João Danado”, para exorcizar nas redes adversárias o grito de uma torcida exigente como a do Flamengo.
Em uma equipe que havia jogadores de material humano qualificado, coube ao sergipano NUNES vestir a camisa 9 e ter a certeza que ali na Gávea seus dias na face da terra seriam mais felizes.
Ah, meu artilheiro de decisões impagáveis (como esquecer o terceiro gol contra o Atlético?), você, melhor do que qualquer outro centroavante que tenha vestido esse número, escreveu não só na história deste clube mas também nos corações de todos nós.
Já Arthur Antunes Coimbra, que vestiu a camisa 10 e se transformou em ZICO, era na visão do meu avô a personificação de um amor correspondido.
Foi por causa daquela geração comandada pelo Galo que meu avô morreu feliz.
E a camisa 11 foi imortalizada por Lico, ex-ponta-esquerda do Joinville, que marcou época no Flamengo de 1980 a 1984.
Jogador técnico, habilidoso e arisco, tem as quatros letras do seu nome escritas em todas as enciclopédias futebolísticas.
E assim, no passar dos anos, fica cada vez mais vivos os nomes desses herois que lutaram bravamente e venceram essa guerra que foi a conquista da Libertadores e do Mundial.
Lá do céu, meu avô sorri através do brilho das estrelas agradecendo a cada um desses jogadores por ter visto o Flamengo – sua maior paixão – conquistar os títulos mais importante de sua história.
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