por Marcelo Mendez
Seguia o ano de 1978…
Por entre umas discotecas, uns sambas do Agepê, umas musicas do Wando e mais o Roberto Carlos cantando “Para ser só Minha Mulher”, corria a minha vida de menino de 8 anos em uma Santo André ainda bucólica, num Parque Novo Oratório que ainda parecia um daqueles lugares saídos dos livros do Mark Twain.
Eu chegava da escola cedo, a mãe fazia comer ali por volta de meio dia, eu comia e na seqüência, pegava minha bola e ia brincar em frente nossa casa. A Avenida das Nações, que na época era de terra, não tinha carros passando, não era via para nada além da pista de meus sonhos de craque.
Em um dia desses, com a bola debaixo do braço, olhei para frente e vi que no terreno baldio do outro lado da Rua Oratório recebia uma movimentação.
Caminhões cheios de bugigangas, homens carregando coisas e muito falatório, me chamaram atenção. Decidi então fazer uso das minhas primeiras transgressões e desobedecer a mãe, que sempre dizia para eu não ir muito longe. Fui uns 500 metros além da regra e então vi:
Um parque de diversões estava sendo ali montado. E meus olhos receberam um de seus primeiros brilhos…
A necessidade de negociar…
Perguntei para um dos caras quando ia funcionar o parquinho, ele respondeu:
– Daqui a três dias, no próximo sábado!
Uau!
Fiquei elétrico com a novidade. Corri em casa e contei a boa nova a todos do quintal nosso. Fiz eles virem até a frente do quintal para ver a roda gigante, o chapéu mexicano, a máquina de algodão doce, o tiro ao alvo e o carrossel. Os primos iam, sem muita empolgação e eu ficava indignado! Quando comentei com o primo Serginho, de minha mesma idade, ele me explicou:
– Também, você não sabe que agora tem a Copa do Mundo? Eles querem ver a Copa!
Copa do Mundo…
De novo essa coisa no meu caminho! Em 1978, no afã de meus 8 anos, comecei a ver que essa coisa de Copa não era lá muito minha amiga. Era um tal de jogo todo dia, em uns campos meio estranhos, cujas placas de grama saíam toda hora, com uns caras de cabelos mullets e com as primas suspirando pelo goleiro Leão e por uns outros cabeludos de nome Kemps e Tarantini.
Mas o que pega era que para ir no Parquinho, eu teria que negociar com essa tal de Copa no interesse dos adultos. Alguém ia ter que me levar!
E daí, entra na história meu tio Zezinho e uns outros homens de laranja…
Meu tio e Copa do Mundo
Meu Tio Zezinho era um dos alucinados por Copa, que iriam me ajudar nesse caso.
Mais novo que meu pai, Santista de coração, apaixonado pelas coisas da bola, meu Tio Zezinho era quem comprava os jornais para ler, quem acompanhava os noticiários esportivos, quem mais sabia do dia a dia da seleção nossa na tal de Copa. E também sabia de todas as outras coisas, de todas as outras seleções!
Assistia todos os jogos com o jornal e as escalações no colo, falava o nome daquela estrangeirada toda e explicava toda aquela tática maluca do tal Claudio Coutinho, nome que eu ouvia sempre em meio a xingamentos e protestos dos tios e primos.
No sábado, dia da estréia do parquinho, não pude ir, meu pai trabalhou no turno da noite e não pode me levar. Minha mãe, que já vendia salgadinhos para a vizinhança sob encomenda, tinha um pedido grande e também não pode sair. No domingo que eu achava ser possível, diacho de jogo de Copa! Não tinha jeito e então rolou uma negociação:
– Marcelo, seu Tio Zezinho tá de férias na firma. Falamos com ele e quarta-feira ele vai levar você e sua irmã lá no Parquinho” – avisou a Mãe.
Segunda negociação; Caçulinha e algodão doce em troca de carrossel de mentira
Eu até fiquei feliz, lógico, com a noticia.
Todavia, alguns detalhes precisam ser explicados.
Tio Zezinho tava de férias, sim. Fez de tudo para negociar na firma, para pegar as férias em junho para ver a Copa. Queria ver todos os jogos e isso vinha sendo cumprido até que eu trouxe para a família resolver, o caso do Parquinho.
Gentilmente, me levou. Minha irmã não pode ir porque era muito pequena e os brinquedos, bom, vocês imaginem que na periferia de Santo André em 1978, não tinha lá umas bênçãos em se tratando de segurança. Minha mãe achou por bem, ficar desesperada apenas comigo indo lá…
Foi então que meu Tio negociou comigo:
– Filho, a gente vai, você anda em uns dois brinquedos, depois te pago um algodão doce, um guaraná caçulinha e a gente vai embora, para ver o jogo da Holanda. Depois no domingo, prometo que te trago de volta, ta bom?”
– Tá bom, Tio – respondi meio contrariado, mas fazer o que?
– O que é Holanda, Tio?”
– Ah… É outro tipo de carrossel, como esse que você andou aqui. Vamos comigo ver o jogo, você vai gostar dele.
E então, com a tal de Copa do Mundo, descobri que havia mais um lugar no mundo além do Parque Novo Oratório e de São Matheus, onde morava Tia Dete. Holanda…
Os homens laranja na minha vida
No campo, de cara, já gostei de saber que a Holanda era aqueles caras com umas camisas laranjas, muito loucas. Eles enfrentariam uns sisudos de preto e branco chamados Áustria. Em campo, meu tio explicou que eu veria o que eles descobriram quatro anos antes que era o “Carrossel Holandês, que o melhor jogador do time não veio, por causa de uns outros problemas que meu Pai já havia comentado.
– Essa parte depois seu Pai conta!
– Tá bom…
E voltamos para ver o jogo.
De cara, já saíram abrindo o placar. O time amassava a Áustria em seu campo, pouco susto tomava, diferente das partidas chatas do Brasil, eles eram alegres, faziam um monte de gols. Ouvi uns nomes estranhos, Obenmayer, Brandts, Rep, Krool…
“Que diacho de nomes!” – pensava!
E o dono do time, também tinha nome estranho; Rensenbrink.
Era ele o cara que mais pegava na bola, quem mais corria, quem mais marcava gols. Naquele 5×1, marcou um monte, para alegria do meu tio Zezinho.
– Gostou do Carrossel holandês, Marcelo?
…
Na hora, para não chatear meu tio, disse que gostei. Mas não gostei coisa nenhuma. Naquele jogo, vi um time pragmático, incisivo, sedento por marcar gols aos montes e lutando para ter pontos. Eu não queria pontos, queria brincar. Mas também não queria contrariar meu bom Tio Zezinho.
Saí de perto dos adultos, fui da frente de casa e olhei para onde estava a roda gigante e suas luzes. Fui tomado naquele momento por um tanto de melancolia que óbvio, não entendi no momento. Entenderia depois…
São Paulo, Junho de 2014
Já jornalista, cobrindo a Copa do Mundo do Brasil, me chegou a noticia que Tio Zezinho havia partido. Cansou desse mundo triste do futebol, que para sua tristeza, havia ficado chato e ruim de se ver e de tudo do mundo. Fez a passagem num dia de Copa, que ele tanto gostava.
Naquele dia, não fiz muito. Fiquei triste como ficam os que perdem um grande amor, mas tive que me virar com essa dor, eu teria um jogo do Brasil a fazer. Holanda 3×0 Brasil, fim de jogo, eu voltando para casa e chegando em São Paulo, da janela do ônibus, vi um raro parquinho na beira da estrada. Fiz um escarcéu e o motorista parou fora do ponto. Desci e fui até o Parquinho.
Em 2014 ele era mais ajeitadinho que aquele de 78.
Tinha mais brinquedos e o chão, ora veja, o chão era de um tapete verde imitando grama, cobrindo o piso do estacionamento onde estava montado. Caminhei por entre aquelas gentes, vi os sorrisos, os novos pais, as recentes mães e os seus meninos.
Como que por magia, andei até onde estava a roda gigante e a encontrei. As luzes eram de um neon chique, as gôndolas bonitas, seguras. Na fila, não tinha ninguém. O rapaz que trabalhava lá me explicou que a meninada não gosta muito do brinquedo, que ela não tem os atrativos necessários para agradar os novos meninos.
Lamentei. Ele então virou para mim e falou:
– O Senhor quer dar uma volta?
Me surpreendi duplamente; Pelo convite feito e por ser chamado de senhor aos 44 anos. “Cara, eu já sou Senhor!” – Mas não pude recusar. Entrei, sentei e subi. De cima da roda, vi o São Paulo, vi o mundo, pensei no Brasil, na Holanda, e em algum canto daquele céu, daquele horizonte cinza, senti que meu Tio Zézinho me via.
Ele ficaria triste pela seleção nossa, mas contente com a Holanda. Porque assim é a vida.
E como tal é a vida, pensando nele, olhei para um canto do céu onde imaginei que ele estava, acreditando piamente que ele me via.
Nesse momento, uma lágrima grossa me escorreu a barba. Mas não fiquei triste.
Tio Zezinho estava comigo…
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