Por Sergio Pugliese
Se tem uma expressão que não faz nem cosquinha nos peladeiros é bullying, encarnação para os veteranos. E os que se irritam, dão faniquito, jogam o colete no chão e abandonam o jogo já entenderam que estão apenas dando mais munição ao adversário. No Caldeirão do Albertão, tradicional pelada do Grajaú, o afrodescendente virou Júnior Negão, o calvo, Guilherme Careca, o branco demais, Alemão, o gordo, Renatinho Tonelada e por aí vai. Tem Bebezão, Bebezinho, Vapor, Paraíba, Feinho, Pequeno, 171, Cangaceiro, Pau PQ, Anaconda, Baixinho, Cachaça e Barbie. Mais politicamente incorreto, impossível!!! Isso ficou claro na entrevista com Júnior, do Flamengo, para o Museu da Pelada, postada nesse domingo, quando ele escalou, só com apelidos, o time campeão do mundial de clubes.
– A pelada é um exercício mental e na resenha você exorciza todos os seus fantasmas. Quando comecei a perder cabelo fiquei chateado, mas os peladeiros me ajudaram a dar um bico nesse fantasma – comemora Guilherme Careca Meireles.
Na verdade, a pelada é uma aula de convivência. No Caldeirão, há simpatizantes de Bolsonaro e de Moro, de Lula e Aécio, e até do Tiririca! Afinal, no grupo joga um palhaço profissional, o Camelinho. Nas resenhas musicais, na base do papo, da gelada e do bom argumento já teve gente que trocou o PT pelo PMDB e vice-versa. Sem cuspes. No Caldeirão, durante o racha, quando a saliva falta, o faz-tudo Vílson já está à beira do campo com uma água geladinha.
– Esqueçam os clichês, mas a pelada é, e sempre será, o retrato mais fiel da democracia – filosofa Beto Ahmed, dono do campo, da bola e de um coração que cabem todos os partidos.
Na semana retrasada, surgiu uma convidada querendo jogar: Nathália. Ninguém torceu o bico, ela jogou, fez dois gols e na semana seguinte, no par ou ímpar, foi escolhida antes de Renatinho Tonelada.
– Preciso emagrecer urgentemente – concluiu o artilheiro.
Todos os temas delicados ali são tratados na base do escracho. Bastou Mesquita elogiar a liberação de drogas no Uruguai e virou Vapor. Tico Tico não se importa em ser chamado de nordestino, mas avisa que é pernambucano e não paraíba. Seu conterrâneo, de tanto tirar lascas de canelas rivais virou Maurição do Cangaço. No Caldeirão, o Pau PQ e o Anaconda, apesar dos 20 centímetros de diferença, convivem harmoniosamente e trocam saudáveis experiências. Cada um com seu cada um.
– E viva a cerveja!!! – gritou Sandrinho Cachaça, o barman.
Outro dia, Beto Ahmed lembrou uma história contada por Jecy Sarmento, braço-direito de Leonel Brizola. Na época da ditadura, inimigos políticos fugiam de seus esconderijos para jogarem uma tradicional pelada no bairro do Flamengo. Apito final, cada um para o seu lado.
– No Caldeirão, quanto pior, melhor! – definiu Rodrigo Ahmed, filho de Beto.
O próprio Beto diz para quem quiser ouvir que Ricardinho, o bom de bola, é filho dele, mas Rodrigo é sobrinho de Aziz, o tio com pouca intimidade com a redonda. E dá-lhe gargalhada!!!! E veio de Rodrigo a última novidade do Albertão: a série “Separados no berço!”. O moleque se deu ao trabalho de ver quem parece com quem e foi buscar no Google imagens para provar a sua teoria. Não há como negar, Renatinho Tonelada e o comediante Castrinho realmente são idênticos e só podem ter sido separados no berço. O grupo de whatsap bomba o dia inteiro a cada descoberta. A última foi a semelhança entre Joãozinho Perdigão com Zacarias, de Os Trapalhões. Como ele e Renatinho costumam jogar juntos, na frente, virou o “ataque de risos”.
– Desse grupo só podem participar pessoas com as cabeças muito bem resolvidas, sem traumas, sem dramas – comentou o goleiro Franco, a “cara” de Fred Flintstone.
– Só falta gritar Dilmaaaaaa!!!!!!!! – brincou Tico, o Sassá Mutema.
Em alguns momentos, a votação na Câmara dos Deputados lembrou as festas de amigo oculto do Caldeirão. Uma berraria generalizada, Juarez Bombeiro subindo na cadeira para declamar “O Adeus de Teresa”, de Castro Alves, Marcelo Rodrigues disputando o violão com Ney Cochicho Pereira, Sapo reclamando do presente de Boechat, Viquinho, o tesoureiro, tentando arrecadar mais algum dos convidados do Aziz, cachorro uivando, música alta e agradecimentos, muitos agradecimentos. A única diferença é que no Caldeirão ninguém se leva a sério.
0 comentários