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A DOIS PASSOS DO PARAÍSO

25 / junho / 2024

por Zé Roberto Padilha

Muitos carregam dentro de si noções diferentes do paraíso que sonham alcançar. Claro que todos queremos ser felizes, saudáveis, queridos, amados e ricos. Porém, no fundo, tem um projeto, uma mulher, uma viagem, um mandato que vai lhe dar um gostinho único de realização pessoal.

Algo que foi crescendo dentro de sua formação e ganhando proporções de desejo absoluto acima do objeto comum cobiçado pela maioria dos mortais. Quando comecei minha carreira de treinador de futebol, em Xerém, esse paraíso foi se formatando enquanto comandei, por oito anos, quatro clubes.

Para mim, o paraíso seria alcançar a equipe profissional do Fluminense. Se alcancei como jogador, por que não? Para isso, percorri, desde os infantis, todos os caminhos para obter licitamente tal oportunidade.

E ela surgiu quando Edinho, então técnico dos profissionais, perdeu a decisão carioca de 1993, para o Vasco, em uma quarta-feira à noite, no Maracanã. Antes de partir, virou para mim, então técnico do Juniores, e disse:

– Agora é com você, parceiro!

Como o presidente do clube, Arnaldo Santiago, nada declarava. Perguntei ao supervisor, Roberto Alvarenga, o que faria.

– Você vem pela manhã e dá o treino. Deve ficar como interino até o clube resolver.

Claro que não consegui dormir direito. Estava próximo do Paraíso e domingo tinha jogo com o Palmeiras pelo Torneio Rio São Paulo. E passei a noite idealizando o time que levaria a campo. A novidade seria entregar a camisa 10 ao Nilberto, irmão do Nelio e do Gilberto, que estava arrebentando no Juniores.

Não tomei remédios para dormir, mas merecia uns três. Lembrava das inúmeras vezes que deixava Três Rios no ônibus das 5h30, descia na entrada de Xerém, esperava o ônibus tricolor chegar, dava o treino, voltava com eles para as Laranjeiras, fazia relatório e voltava no Salutaris das 14h30.

Não foram dois dias. Foram quatro anos. No fim, encontrava um amigo na Rodoviária Novo Rio e quando ele perguntava se estava indo ou chegando tinha que olhar o bilhete.

Enfim, tomei meu café e às 9h entrava pelo portão da Rua Álvaro Chaves, 41, mais nervoso e inseguro do que naquela manhã de 1968, aos dezesseis anos, quando cheguei para fazer testes nos infanto-juvenis. Naquela ocasião, só dependia de mim. Nesta outra, não havia bolas ou chuteiras à disposição para defender meu lugar no meu time de coração.

Fui entrando e logo uma leva de jornalistas passou por mim. Apenas me acenaram, não pararam. Totalmente sem graça, procurei refúgio e consolo na rouparia. Ximbica, meu amigo, contou tudo. E me consolou.

– Liga não, Zé, o Nelsinho é muito amigo do Arnaldo. Você terá outras oportunidades!

Poucas vezes retornei à minha cidade triste daquele jeito. Pela janela do ônibus, mesmo diante da beleza da serra de Petrópolis, não entendia porque me negaram aquela oportunidade, mesmo que fosse interino, como tantos, por uma partida.

Poderia perder para o Palmeiras e retornar ao Juniores, mas perderia para o resultado, que é o que define nossa permanência no cargo, jamais por desconhecimento de causa.

Nas duas horas em que passei dentro do ônibus, fui acompanhado pelo meu anjo de guarda. Só ele poderia conceder-me aqueles momentos de paz e reflexão diante das explicações que desrespeitosamente não me deram.

– Por que deixaram o Edinho citar meu nome à imprensa? Por que o Arnoldo Santiago deixou-me viver uma noite de sonhos estragados?

E cá entre nós, ninguém era mais tricolor do que eu, tinha mais tesão para merecer aquela oportunidade.

Chegando em casa, mal deu tempo de ser consolado pela minha esposa.

– Levanta a cabeça! Como treinador da base, vai ter outras chances. Cai treinador todo dia! – dizia ela, porque o telefone tocou. Do outro lado da linha Roberto Alvarenga nos deu o tiro de misericórdia.

Nelsinho exigiu que seu filho, Nelsinho Batista, trabalhasse com ele. E dirigindo os Juniores. Não havia apenas perdido a chance e de alcançar a equipe profissional, estava demitido do clube. A terra cedeu e levou, naquela manhã esquecível de maio de 1993, meus sonhos quando estava apenas a dois passos do paraíso.

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1 Comentário

  1. Tadeu cunha

    Caro Padilha relato impressionante, porém serve para justificar o nosso atraso dentro e principalmente fora do gramado,clubes com gestões amadoras e ridículas
    ,onde em 90% dos casos o primeiro a ser trocado quando os resultados.tados não aparecem deveria ser o presidente do clube.

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