por Marcos Eduardo Neves
Sócio desde criança, cresci vendo pra lá e pra cá uma moça no Flamengo. Tempos depois soube quem era. Chamavam-na o tempo todo, como se fosse uma super-heroína com poderes sobrenaturais para resolver o problema que fosse no clube. Seu nome, Marilene Dabus.
Há 9 meses nasceu nossa amizade. Amigo em comum, Ruy Castro me ligou pedindo para dar uma ajuda a ela, “resolver” o livro que Marilene escrevia. Entrei na casa dela sabendo quem ela era; a recíproca não era verdadeira. Rapidamente nos tornamos bons amigos. Ela não entendia como não me conheceu antes. Nem eu.
Não resolvi o livro dela porque até isso ela soube resolver sozinha. Só editei. Ajudei a escolher as fotos, revisei os capítulos, criamos a capa e selecionamos amigos queridos para tecerem os textos das orelhas e do prefácio, deixando nosso ídolo Zico para ser a cereja do bolo, reluzindo na quarta-capa.
Ela ansiava por ver sua história no papel. Pudera: seu legado é de tirar o chapéu. Mulher briosa, segura de si, enfrentou o status quo adentrando um mundo totalmente machista como o do futebol, nos anos 60. Surgiu em um programa de tevê e logo teve trajetória cinematográfica na reconstrução do clube do coração. Desbravadora, tornou-se a primeira repórter mulher do país.
Por problemas de saúde, não pôde comparecer ao lançamento da sua própria obra. Mas sua alma esteve presente na Gávea, na ocasião. Como bem escreveu Ruy Castro em sua coluna na Folha de São Paulo, mesmo ausente parecia que Marilene se encontrava por ali em alguma das tantas rodas de conversa que havia no salão nobre do Mais Querido.
Hoje despertei com o telefone acordadíssimo. O celular tocava sem parar; depois foi minha vez de ser tocado. A última notícia sobre a repórter veio com a força de um furo – quem dera que de reportagem – em meu coração jornalista. Marilene faleceu.
Só quem viveu perto dela compreende a doçura que havia por trás daquela mulher firme. Só quem recebeu seu sorriso e carinho entende a falta que a sua presença trará. A ficha apenas começa a cair.
A chuva que dos céus jorrou esta manhã mais pareceu lágrimas. Talvez o choro da nação rubro-negra, órfã da mais emblemática figura feminina da história do clube. Talvez o pranto alegre de Manicera, Zizinho, Flávio Costa, Dida, Doval, Rodrigues Neto, Cláudio Coutinho e outras feras que felizes a recebiam de braços abertos na Eternidade.
Definitivamente, Marilene não merecia passar o feriado de São Sebastião, data que enaltece a Cidade Maravilhosa, em um leito de hospital. Foi curtir o fim de semana prolongado, literalmente, com Deus e o mundo.
Ela, que ano passado vibrou tanto com a Libertadores, enfim libertou as suas. E amanhã, sábado, sua luz certamente irradiará a estreia do time no Carioca, no Maracanã. Estádio que responde como uma de suas três casas. Junto à Gávea e a última em que viveu, na Fonte da Saudade – por sinal, nome mais propício que este, a essa altura, não há.
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