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A COPA DE 86 CONTINUA VIVA EM MIM

18 / julho / 2023

por Marcos Vinicius Cabral

Por esses dias, tomando meu sol no terraço de casa em companhia de Bidu, meu dachshund de 12 anos, relembrei do dia 21 de junho de 1986. Não me perguntem o porquê da lembrança, mas recordei-me do jogo.

Eu, garoto de quase 13 anos, que amava Beatles, The Smiths, e Rolling Stones no cenário internacional, e Titãs, Barão Vermelho, e Legião Urbana no BRock dos anos 1980, era mais um sentado no chão no meio de uma multidão apinhada de torcedores na Avenida 70, como era conhecida a vila de moradores ao lado da fábrica Fluminense de Tecidos no Barreto, em Niterói.

Muitos ali – inclusive o pusilânime que escreve – ansiavam pelo título que seria o tetracampeonato mundial que os deuses do futebol não permitiram a talentosa geração de 82 conquistar em gramados espanhóis.

Brasil e França queriam mostrar ao mundo um futebol capaz de vencer a desconfiança e o insuportável calor que fazia no Estádio Jalisco, em Guadalajara. A partida, válida pelas quartas de final da Copa do México, colocaria frente a frente dois gênios da bola: Platini, ídolo da Juventus, e Zico, maior jogador da história do Flamengo.

Com a cabeça de Bidu refestelada sobre meu pé-esquerdo, o sol aquecia nossos corpos e lapsos de memórias faziam-me, de forma involuntária, lembrar de lances daquela partida memorável.

Vestido com a camisa branca do Flamengo – a mesma do título mundial de clubes em 81 – número 10 que meu saudoso pai me deu de presente por passar de ano no colégio, eu era mais um no meio da multidão.

De olhos fechados, enquanto Bidu fazia um dos meus pés de travesseiro e dormia, lembrei perfeitamente daquela tarde de sábado, 21 de junho. Lá se vão 16 anos do tricampeonato mundial da Copa do Mundo no México, no qual o Brasil brilhou com Pelé, Jairzinho, Rivellino, Tostão, Gerson, Carlos Alberto Torres e Cia.

Mas naquele 21 de junho, o dia estava estranho. Sobejamente estranho. Muito mesmo. Os fantasmas da Copa de 82 voltavam quatro anos depois para assombrar.

Enfrentaríamos no México a matreira Seleção da França, com meio-campo afinado por músicos de uma orquestra parisiense: Giresse, Tiganá, Platini e Fernández.

O mundo parou para assistir Brasil e França. Quem passasse encararia Alemanha Ocidental na semifinal. O time de Telê Santana estava alquebrado e nem de longe parecia com o de 1982, a dos desfiles encantadores e marcantes na terra de Pablo Ruiz Picasso (1881-1973).

Rubro-negro, prestes a completar 13 anos, sofri porque jogadores que me encantaram quatro anos antes não eram mais os mesmos: Éder não foi, Leandro se negou a ir, Falcão não vivia bom momento, Cerezo cortado, e a categoria de Sócrates (1954-2011), já no Flamengo, não era a mesma. Além deles, Renato, que voava, não foi chamado.

Outra injustiça foi a não presença de Roberto Dinamite (1954-2023) no México. Para piorar a situação e desespero de todos, desfigurava-se o timaço de 1982. As ficham estavam apenas em um jogador que atendia pelo nome de Zico.

Restava Zico. Corajoso, extraía forças sabe-se lá de onde para enfrentar uma gravíssima contusão de ligamento no joelho e jogar a terceira Copa do Mundo na carreira.

Melhor camisa 10 que vi jogar, o Galinho de Quintino fez o possível e impossível para estar dentro de campo em condições de jogo.

Viu o joelho direito ser assassinado pelas travas da chuteira do miliciano Márcio Nunes, do Bangu, naquele nefasto 29 de agosto de 1985, no Maracanã. Mas Zico reforçou a musculatura da perna e treinou como um louco. Normal que o corpo respondesse tamanha dor sentida.

O medo pairava no ar. Como curativo emocional, em silêncio, dizíamos nas mais secretas introspecções: “Eles têm o Platini, e nós, o Zico”.

Com atuações discretas, mas com outro significado de jogar futebol, o Brasil havia percebido a entrada de Zico contra Irlanda do Norte e Polônia.

Se não foi o jogador decisivo, nosso 10 impôs categoria, driblou, lançou e viu espaços que outros jogadores dificilmente enxergavam.

Roendo unhas e com nervos à flor da pele, acompanhei o jogo diante do aparelho de TV colocado em frente da casa de Toninho Carcará e dona Eleuza, pais de Luiz Antônio, Carlos e Kátia.

Gritamos em alto e bom tom e vibramos muito quando Muller e Junior tabelaram para Careca abrir o placar.

O Brasil tocava a bola pondo os bléus para bailar. Até que um cruzamento despretensioso de Rocheteau desviou em Branco e proporcionou o empate. Gol de Platini.

Minutos depois, chamado, Zico substituiu Muller. Ao receber a bola de Junior, aos 27′ do segundo tempo, no círculo do meio-campo, nosso camisa 10 enfia na medida para Branco, que faz o ‘facão’ e é derrubado por Joël Bats.

Ioan Igna, árbitro romeno que apitava o jogo, marca o pênalti. Zico bateu e perdeu. Com o coração apertado, chorei. Minhas lágrimas tinham endereço certo: não eram pela Seleção Brasileira, mas por Zico. Fim de jogo. O 1 a 1, por incrível que pareça, despertou em mim o pragmatismo de um garoto de apenas 12 anos.

Minutos tonitruantes de uma prorrogação nervosa e a insuportável disputa por pênaltis em seguida. Sócrates e Júlio César perdem. Zico faz. A França comemorou a vitória, embora Platini tenha chutado a cobrança por cima da meta de Carlos.

Ao fim de tudo, a TV foi desligada. As bandeirinhas nas cores verde e amarelo sendo arrancadas pelos vizinhos. Uns, esboçavam raiva, outros, eram desânimo em forma de gente. Camisas eram retiradas do corpo para esconder o rosto e disfarçar o indisfarçavel choro de quem não acreditara no que acabara de presenciar.

A tristeza não era comparada à Copa de 82, claro, mas doeu muito. Fez sangrar um machucado chamado esperança que estaria encascado por quatro anos.

Difícil foi ir à escola na segunda-feira, dia 23, e seguir normalmente a vida. Ver meu saudoso pai acordar cedo para ir trabalhar. Receber as contas de luz, água, IPTU e observar ruas sendo desarrumadas. Juntar os cacos da derrota para, arrebentado por dentro, ter que esperar pelo quarto título na Copa do Mundo seguinte.

Mas eu, queria alguém para conversar. Muitos ali também queriam. O silêncio fez barulho. E o que antes era celeuma se transformou na perda de algo valioso para alguns ali, inclusive para mim, que garoto, engoli a seco o grito de “campeeeeeããããooooo!”.

Passados 37 anos, confesso que queria no apito final do árbitro, abraçar Junior e Zico, jogadores do meu Flamengo. A vontade era desligar o interruptor deles com o mundo. Preservá-los das críticas. Distanciá-los dos abutres que adoram momentos como esses para aparecerem.

Entendi, depois de certo tempo, que no futebol, há coisas que não se podem explicar aos normais. Para entender determinadas derrotas, como essa contra a França, em 86, no México, ou a contra a Itália, em 82, na Espanha, só sendo louco mesmo.

Quem sabe que, uma das maiores inexplicabilidades do futebol, talvez, seja a geração de Leandro, Sócrates, Cerezo, Junior, Careca, Edinho, Falcão, Éder e Zico não ter conquistado uma Copa do Mundo.

Pode ser. Mas para aquele garoto de apenas 12 anos, fechar os olhos e lembrar daquela Copa do Mundo de 1986 dói no corpo. Fere a alma. Torna o espírito torcedor pequeno, do tamanho de um grão de mostarda. A Copa do Mundo de 86 ainda não terminou.

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