O GIGANTE BAIANO
por Elso Venâncio
O zagueiro Júnior Baiano chegou ao Flamengo no final da década de 1980, sonhando em comprar para o pai, Raimundo Ferreira — o Seu Mundinho —, uma fazenda em Feira de Santana. Logo, com títulos e prestígio, a promessa feita ao sair de casa foi cumprida. Na final da Copa São Paulo de Futebol Júnior de 1990, marcou o gol da vitória por 1 a 0 sobre o Juventus/SP, garantindo um inédito título rubro-negro. Ele fazia parte do maior time já visto na Copinha e da última grande geração de jogadores formados na base do Fla, com Rogério, Piá, Fábio Augusto, Fabinho, Marquinhos, Marcelinho Carioca, Djalminha, Nélio…
Lançado no profissional pelo técnico Carlinhos, Júnior Baiano já foi campeão carioca em 1991 e, no ano seguinte, chegou ao título brasileiro. Na conquista nacional, o Flamengo venceu o Botafogo no primeiro jogo da final, por 3 a 0, e empatou por 2 a 2 na finalíssima.
Alguns lances violentos fizeram com que a fama de mau acompanhasse Júnior Baiano durante a sua carreira. Negociado com o São Paulo, aprimorou seu futebol com o mestre Telê Santana, deixando de ser o zagueiro desengonçado e às vezes furioso em campo. Num episódio marcante, se envolveu em polêmica com o árbitro Oscar Roberto Godoy, a quem acusou de estar bêbado num clássico entre São Paulo e Corinthians, no Morumbi.
Ao retornar ao Flamengo em 1996, depois de uma passagem pelo alemão Werder Bremen, Júnior Baiano viveu um um grande momento. Tanto é que chegou à Seleção Brasileira, fazendo parte da conquista da Copa das Confederações no ano seguinte. Só não foi campeão do mundo em 1998 em razão da convulsão sofrida por Ronaldo, no almoço que antecedeu a final contra a França. Na véspera, no campo anexo ao Chateau de Grande Romaine, em Lésigny, local de concentração a 20 minutos de Paris, um descontraído Ronaldo participava do racha — o tradicional “dois toques”. O clima era tão descontraído que mereceu um comentário do jornalista Mário Magalhães, autor do excelente “Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo”:
— O poderoso Américo Faria virou churrasqueiro.
O supervisor da Seleção Brasileira assava carnes para a comissão técnica na beira do campo.
Ao fazer exames num hospital na capital francesa, a poucas horas do jogo, e chegar ao vestiário com o time aquecendo e Edmundo escalado, Ronaldo causou preocupação a todos. O time se desestabilizou, perdendo para a França por 3 a 0.
Na era Romário como melhor do mundo no Flamengo, era comum o Baixinho criticar os companheiros no vestiário: “Vocês não jogam p.… nenhuma. O Maracanã está cheio por minha causa”. Discussões e agressões aconteciam no intervalo e ao final de algumas partidas, sem que a imprensa tivesse conhecimento. Mas Romário respeitava três companheiros que não levavam desaforo para casa. Júnior Baiano era um deles, além de Clemer e Beto.
Após a Copa na França, Júnior Baiano se tornou ídolo no Palmeiras, chegando ao título da Copa Mercosul de 1998. Na vitoriosa campanha da Libertadores da América, com Felipão, em 1999, foi o artilheiro palmeirense na competição, com cinco gols. Nem assim deixou de ser identificado com o Flamengo, clube pelo qual, entre idas e vindas, disputou mais de 200 jogos. Passou também por Vasco e Internacional, bem como pelo Shangai Shenhua, America, Brasiliense, Macapá, Volta Redonda e Miami FC. Em suma, Júnior Baiano foi um gigante que marcou época nos clubes que defendeu, inclusive no exterior.
JAIR PICERNI, O PRECURSOR
por Reinaldo Sá
Na época, a seleção brasileira já era tricampeã mundial. Todavia, até 1979, a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) nunca deu a devida importância ao futebol nas Olimpíadas. Os dirigentes priorizavam exclusivamente a Copa do Mundo. Porém, com a criação da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e a gestão de Giulite Coutinho, o projeto olímpico começou a receber atenção, ainda que sem o apoio dos dirigentes dos clubes.
Após o Brasil se classificar no Pré-Olímpico, a alta cúpula da CBF convidou o jovem treinador Jair Picerni para comandar a seleção brasileira nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984. Assim, há quatro décadas, começava um projeto desacreditado por muitos.
A convocação de Jair Picerni teve como base o Internacional de Porto Alegre, com jogadores como Gilmar, Luís Carlos Winck, Aloísio, Mauro Galvão, André Luís, Ademir, Dunga e Gilmar Popoca – este último, um meia de destaque nas categorias de base do Flamengo e campeão mundial de juniores em 1983. Completaram o elenco Paulo Santos, Kita e Silvinho.
Gilmar Popoca, com sua habilidade e passes precisos, era inspirado no ídolo Zico, do Flamengo, especialmente nas cobranças de falta. Sob o comando de Picerni, a campanha foi coroada com a conquista da medalha de prata, a primeira do futebol brasileiro em Olimpíadas. Na final, enfrentando a França, o Brasil foi derrotado por 2 a 0. Ainda assim, o trabalho de Picerni impulsionou sua carreira, marcada por projetos de reestruturação e pela revelação de talentos no cenário nacional.
A conquista abriu caminhos para outros treinadores, que encontraram uma estrutura mais sólida. Em 1988, Carlos Alberto Silva conquistou a medalha de prata nas Olimpíadas de Seul, perdendo a final para a extinta União Soviética. Já em 1996, Zagallo, tetracampeão mundial, viu o sonho do ouro se desfazer com a derrota para a Nigéria, ficando com o bronze em Atlanta.
Duas décadas depois, o Brasil se tornou bicampeão olímpico. Em 2016, nos Jogos do Rio de Janeiro, sob o comando do então desconhecido Rogério Micale, e, em 2021, nos Jogos de Tóquio, liderados por André Jardine, o país conquistou o ouro. Esta última edição foi realizada em meio às restrições da pandemia de COVID-19.
Hoje, Jair Picerni vive sua aposentadoria longe dos holofotes, mas segue sendo lembrado com carinho pelos amantes do futebol como o precursor do sucesso olímpico brasileiro no esporte.
RECRUTAMENTO E SELEÇÃO – CASE LIVERPOOL
por Idel Halfen
Quando olhamos a indústria do esporte e a parametrizamos com outras já mais consolidadas na economia, nos deparamos com um longo caminho a ser percorrido em termos de gestão, embora já seja perceptível um considerável progresso. Se fizermos um corte em termos de departamento, notaremos também um certo desequilíbrio, ou seja, alguns deles estão mais avançados do que outros.
Aliás, uma das áreas que vejo com bastante potencial de crescimento é a de Recursos Humanos, fato que, evidentemente, traz reflexos nas demais, afinal, selecionar, recrutar, treinar, avaliar, definir política de cargos e salários, entre outras, afeta toda a organização.
Discutir as razões que levam a esse cenário demandaria tempo e um espaço maior, razão pela qual pularemos essa parte e passaremos para a descrição de um case, que deveria servir como benchmarking para muitas organizações, inclusive as que atuam fora do ambiente esportivo. Refiro-me à contratação do técnico que veio substituir o campeoníssimo Jurgen Klopp no Liverpool.
Ao contrário do que o mercado especulava, o time inglês optou por um técnico, digamos, sem muita “grife”: o holandês Arne Slot, que dirigia então o Feyenoord e nunca tinha trabalhado fora do seu país natal, portanto, sem grande popularidade fora de lá.
Trazendo para o universo corporativo, imaginem a Vale trazendo para ser seu CEO, um executivo que nunca tenha liderado nenhuma grande corporação.
O processo no Liverpool é exemplar porque teve como ponto inicial a definição dos objetivos e do que se queria de um treinador, no caso, manter uma filosofia de jogo similar á de Klopp. A partir daí, baseou-se em dados e métricas que permitissem a identificação dos melhores nomes, até chegarem a Slot.
Quantas empresas têm claramente delineados o que pretende de um executivo quando inicia um processo de contratação?
A análise em termos de números trouxe, entre outras informações, os seguintes dados: o Liverpool costuma ter 94 posses de bola por partida, o Feyenoord tinha 96, quando comandado por Slot. Os adversários do clube inglês completam 77% de seus passes, enquanto os do Feyenoord completavam 74%. O passe médio do Liverpool percorre 17,1 metros, enquanto o do Feyenoord percorre 17,2 metros. O Liverpool leva a bola ao ataque a uma velocidade acima da média de 1,26 metros por segundo, enquanto o Feyenoord vai ainda mais rápido, a 1,33 metros por segundo.
Evidentemente, olhar apenas para os números não é o suficiente, sendo necessário também considerar estilo de liderança, capacidade de resistir à pressão, habilidade no relacionamento, atenção ao desenvolvimento dos mais jovens, visão de logo prazo, além de inúmeras outras variáveis.
Vale também atentar que, no caso de performance esportiva, a coleta de dados fica mais fácil e disponível. O que quero dizer é que os indicadores corporativos sofrem influência de diversos fatores do mercado, seja a capacidade gerencial da própria empresa, sejam fatores macroeconômicos, além das ações da concorrência, o que torna difícil o exercício de expurgá-los, todavia, o exemplo que o Liverpool nos brinda, serve para mostrar a importância do planejamento e da utilização de métricas para qualquer tipo de decisão.
SHOW À PARTE
por Elso Venâncio
A torcida do Botafogo mostra sua força com uma impressionante presença nos jogos. No inesperado empate em 0 a 0 com o Cuiabá, o Estádio Nilton Santos registrou o seu maior público no Campeonato Brasileiro, com quase 42 mil presentes. O Glorioso foi ineficiente nas conclusões, mas teve garra e coragem dos grandes que buscam títulos. Por isso, houve tanto vaias quanto aplausos no fim da partida.
O resultado contra o Cuiabá em nada desmerece o trabalho que faz o Botafogo, dono do melhor futebol do país e do continente na atualidade. John Textor aposta sobretudo no título da Libertadores, que o incentivaria a formar um time ainda mais forte para a Copa Intercontinental, em dezembro deste ano, no Catar, e para o Super Mundial de Clubes, ano que vem, nos Estados Unidos. Luiz Henrique e Igor Jesus, que agitam o mercado da bola, não serão negociados.
Natural dos Estados Unidos, Textor vai aos jogos do Botafogo com a camisa do clube. Parece um carioca autêntico ao beber cerveja e saborear um churrasco no espeto, na entrada do Engenhão. Após a frustração na reta decisiva de 2023, foram investidos mais de R$ 300 milhões em 19 reforços para o clube. Hoje, só Luiz Henrique, o atleta mais valorizado do futebol brasileiro, tem potencial de venda superior a R$ 300 milhões. Quanto podem valer um Luiz Henrique, um Almada, um Igor Jesus, após o Mundial?
Nos anos 1960,o Botafogo conquistou vários títulos, entre eles o bicampeonato carioca, em 1967-1968, e a Taça Brasil de 1968, então equivalente ao Campeonato Brasileiro. Em consequência disso, voltou a ser base da Seleção Brasileira na conquista do tricampeonato da Copa do Mundo, no México, em 1970.
O GPSO (Grupo de Pelada Seis de Outubro) se reúne aos sábados no Clube ASBAC, na Praça XI. Trata-se de um dos grupos mais antigos e tradicionais do Rio de Janeiro. Liderada pelo conselheiro botafoguense Gentil Ferreira, parte da galera não perde um jogo! Após um resultado positivo, os peladeiros alvinegros repetiam roupas, tênis, trajeto, enfim… Havia uma grande superstição no passado, agora abandonada.
— Chegamos à conclusão de que o importante é ter time — declara José Luiz, vocalista do grupo de pagode Samba na Piscina, vestindo a camisa 7 de Garricha.
De fato, a equipe atual do Botafogo é a melhor versão alvinegra desde as marcantes conquistas do início e do final dos anos 1960. Na semana que vem, o adversário será o Atlético/MG, em Belo Horizonte, pelo Brasileiro. A final da Libertadores está marcada para 30 de novembro, contra o mesmo Atlético, mas em Buenos Aires. Em tempo: os 22 mil ingressos reservados para o Botafogo no Estádio Monumental de Nuñez foram vendidos a “toque de caixa”. Confiança não falta!
ÍDOLO, ÍDOLO?
por Paulo-Roberto Andel
Antigamente era outra coisa. Você tinha o craque e o ídolo, às vezes os dois se encontravam numa pessoa só. Se não acontecesse, tudo bem.
O craque era o craque, mostrava sua habilidade, a capacidade de resolver jogos difíceis, de realizar lances inesquecíveis. Ganhar títulos também, mas não necessariamente. É fácil lembrar de dois tremendos craques que foram ídolos do Botafogo e não foram campeões: simplesmente Heleno de Freitas e Mendonça.
O ídolo era o ídolo. Podia ser craque ou até não ser, mas precisava de qualidades especiais: liderança, garra, atitude, carisma, espírito de equipe, comportamento distinto. Muitas vezes o ídolo passava sua carreira toda num só clube. Agora, sendo craque e ídolo, era um foguete para o céu. Todos os clubes tiveram os seus.
Hoje em dia no Brasil, os jogadores ficam pouco tempo no clube, e quando voltam é para encerrar a carreira. Muitos são conhecidos dos torcedores pela TV, muitas vezes pela maioria de crianças e jovens, porque muitos campeonatos internacionais são disputados no fuso horário da tarde por aqui. E aí vem a confusão: o sujeito vira ídolo não necessariamente pelo que fez no clube, mas também em outros lugares.
Claro, não existe uma regra para se determinar quem é ídolo ou não. Cada um tem o seu e pronto. Basta respeitar a opinião do outro.
Na pequenina parte que me cabe, meus ídolos foram personagens da minha infância. Ainda tive um já adulto: Ézio. O artilheiro que certamente foi um dos jogadores mais dedicados e fidalgos que o Fluminense já teve em sua gigantesca galeria de ídolos. Antes dele? Ricardo Gomes, Assis, Edinho, a Máquina Tricolor toda. E Denílson, Telê, Waldo, Castilho, muitos nomes. Depois vieram grandes admirações e algumas decepções. É do jogo.
Os garotos de 2024 nem sempre têm ídolos que honram suas camisas com atitudes dignas. Alguns têm futebol, outros fazem gols, outros são polêmicos, outros criam confusão. Os tempos mudam, as visões também. Os grandes ídolos nem sempre são grandes pessoas. Talento com a bola não eleva o caráter de ninguém. Às vezes o sujeito é só uma celebridade talentosa. Para não se decepcionar, o melhor de sempre é checar quem é quem, dentro do possível. Mas ninguém precisa ficar chateado: dá pra curtir o time e as conquistas sem necessidade de ter um ídolo. No fim, o escudo sempre prevalece.
@p.r.andel