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O ESTOPIM DO DINAMITE

texto: Evandro Sousa | fotos: Adriana Soares

 

Todo menino pobre no Brasil tem um sonho: ser jogador de futebol e ajudar a família. Ramon sonhou e alcançou o seu sonho. Determinado, saiu de casa aos 17 anos, deixando para trás a família, os amigos e o campo de pelada da usina Trapiche, município de Sirinhaém, em Pernambuco. Foi neste campo, inclusive, que o menino habilidoso e veloz despertou o interesse de clubes da capital pernambucana.

Como jogador, teve a oportunidade de atuar em alguns clubes, mas dois têm um lugar especial em seu coração: Santa Cruz e Vasco da Gama. O time pernambucano foi o primeiro clube e a primeira paixão. Lá, foi pentacampeão e, com apenas 23 anos, se tornou o artilheiro do Campeonato Brasileiro de 1973, marcando 21 gols. Para isso, precisou superar “apenas” Pelé (19 gols) e Leivinha (20 gols), do Palmeiras.

– Não foi moleza, não! Contra aquelas feras era difícil! – lembrou

Mas gol nunca foi problema para o artilheiro. Aliás, balançar as redes era a sua maior motivação. Tinha o costume de observar os ídolos tricampeões mundiais e a sua grande referência de ataque era Jairzinho, o “Furacão da Copa de 70”.

– Quando o Jairzinho pegava na bola, não parava mais. Só se alguém o derrubasse. Eu fazia igual, colocava o tronco na frente e só parava no gol.


Quando o Jairzinho pegava na bola, não parava mais. Só se alguém o derrubasse. Eu fazia igual, colocava o tronco na frente e só parava no gol.
— Ramon

Como todo grande artilheiro, Ramon também passava por fases de seca. A carência de gols deixava o atacante angustiado e nervoso, talvez com medo de não conseguir vencer na vida.

Em 1976, após passagens por Internacional e Sport, Ramon conheceu sua segunda paixão: o Vasco da Gama. Contratado pela equipe carioca, o artilheiro chegou com status de ídolo e teve recepção de gala no aeroporto, com fogos e torcida. Era a sua oportunidade e não podia deixar passar. Em uma equipe liderada por Roberto Dinamite, que apesar de jovem, já era um ídolo do clube, Ramon só pensava em como poderia encaixar naquele time. E, por incrível que pareça, foi através do samba que ele viu a oportunidade. Isso mesmo! Um dia, um jogador titular foi para o ensaio da escola de samba do Salgueiro e, sem passar em casa, chegou ao vestiário “virado”, com instrumentos e ainda fantasiado. Naquele momento, Ramon viu a sua oportunidade.

– Olhei e pensei: é na vaga desse cara que eu vou entrar! O cara foi pro samba e “dançou”.

No Expresso da Colina, o “Super Vasco de 1977”, apelido que a equipe ganhou após encantar o Brasil, Ramon caiu nas graças da torcida logo nos primeiros jogos atuando ao lado de Mazaropi, Orlando, Abel, Geraldo, Marco Antônio, Zé Mário, Zanata, Dirceu, Wilsinho e Roberto Dinamite. Neste time, Ramon fez história, tornando-se um dos artilheiros da equipe com Roberto Dinamite. Se não fosse o bastante, o atacante ainda foi apelidado por Zé Mário de “O estopim da dinamite”.

Em 1974, no entanto, Ramon viveu um drama. Já conhecido nacionalmente e com interesses de clubes portugueses, passou por um período difícil, cogitando até pendurar as chuteiras. Após estar quase recuperado de uma lesão muscular na perna direita, que o levou a ficar inativo por dois meses e meio, o atacante já se preparava para retornar aos gramados, quando voltou a sentir dor. A vontade de jogar, somada a pressão da diretoria e do departamento médico, gerou um mal estar: apesar do longo tempo de inatividade, o craque não se recuperava. Naquele tempo, quando a medicina desportiva ainda dava seus primeiros passos, não havia os tratamentos específicos e tecnológicos atuais, e a avaliação era, muitas vezes, feita no “olhômetro”.


O médico dizia que já tinham passado dois meses e meio e que eu já estava bom para jogar, mas não era isso que eu sentia.
— Ramon

– O médico dizia que já tinham passado dois meses e meio e que eu já estava bom para jogar, mas não era isso que eu sentia.

Ameaçando parar, Ramon levou o presidente a procurar uma junta médica para descobrir qual era o problema muscular. Não deu outra! Diagnosticou-se que o atleta tinha taxas elevadas de ácido úrico, o que prejudicava a recuperação. Resolvido o problema, Ramon voltou a brilhar e balançar as redes.

Apesar do longo tempo parado por conta da lesão, Ramon se recuperou a tempo de fazer parte da lista dos 40 pré-selecionados de Zagallo para a Copa de 1974, na Alemanha. Contudo, não foi convocado para defender o Brasil no torneio. Sem esconder a felicidade por ter sido lembrado entre os 40, o craque lamentou apenas não ter marcado o gol que todo atleta sonha.

– O César se machucou, mas levaram o Mirandinha, do São Paulo. A bola bateu na trave e não fiz o gol! – brincou.

Hoje em dia, Ramon prefere não comparar o futebol atual com o do passado, até porque houve uma grande evolução principalmente no aspecto físico e tático, sem falar da ajuda da tecnologia. Mas o Ramon do passado, habilidoso, técnico, versátil, e rápido, com certeza, seria uma das grandes armas de qualquer equipe nos dias atuais. Até porque ele é de um tempo em que o treinador Evaristo Macedo ensinava os atalhos, como se comportar como profissional, a malandragem no campo de jogo, como antecipar e proteger a bola usando o corpo sem se jogar. É de um tempo em que ídolo era exemplo por treinar exaustivamente, como foi o caso de Roberto Dinamite, Zico, Pelé e tantos outros. Atualmente, ele vê os jovens atletas sem a mesma disciplina para trabalhar e sem a humildade para aprender. O tempo passou, mas o pensamento de Ramon é o mesmo desde garoto.


É na base, na formação que está o futuro do nosso futebol.
— Ramon

– É na base, na formação que está o futuro do nosso futebol.

Podemos dizer, então, que Ramon é uma relíquia do futebol do Nordeste. Embora o tempo tenha passado, o craque revela que os valores para se tornar um ídolo no futebol continuam sendo os mesmos. Afinal de contas, trabalho, humildade e disciplina nunca serão coisas do passado, pois sempre fizeram bem e sempre farão parte da história de um vencedor.