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O HOLANDÊS DO BOREL

texto: André Mendonça | entrevista: Sergio Pugliese fotos: Marcelo Tabach | vídeo e edição: Daniel Planel

 

“Comecei jogando bola no Beira-Rio”. A frase é de um dos grandes meias do futebol brasileiro, mas engana-se quem pensa ser algum craque do Internacional, de Porto Alegre. O “Beira-Rio” em questão era um campinho ao lado do Rio Maracanã, onde Carlos Alberto Pintinho, ídolo tricolor, jogou suas primeiras peladas. Morando há 35 anos em Sevilha, na Espanha, o ex-jogador curtiu as férias no Rio e reservou seu último dia na Cidade Maravilhosa para uma resenha carregada de emoção com a equipe do Museu da Pelada, no quiosque Quase 9, em Ipanema. Vestindo uma linda camisa tricolor número 2, emprestada por um fã, Pintinho se divertiu durante o encontro.

Criado no Morro do Borel, o craque desfilava seu bom futebol na Rua São Miguel, na Tijuca, entrada da favela. Como o movimento de carros era infinitamente menor do que hoje, colocava-se paralelepípedos para demarcar o gol e raramente o jogo era interrompido por causa do tráfego. Além do “Beira-Rio” e da Rua São Miguel, Pintinho também jogava bola na mansão do amigo Eduardo Bandeira de Mello, atual presidente do Flamengo, a quem chama carinhosamente de Duda.

Como se destacava nas peladas, o menino foi jogar no time de futebol de salão da fábrica de cigarros Souza Cruz, onde sua avó trabalhava. As boas exibições logo lhe renderam um convite para jogar no América, onde treinava com muitos jogadores do Fluminense.

– Eles conciliavam o salão no América com o futebol de campo no Fluminense. Um dia, me chamaram para fazer um teste no tricolor e ali começou minha história no clube, com 12 anos. Foi tudo muito rápido!

A ascensão meteórica não foi surpresa para nenhum dos amigos e familiares que viam o menino “fazer chover” nas peladas do Borel. O talento era tanto que Pintinho sempre jogava em uma categoria acima da sua e logo ganhou o apelido de “holandês do Borel” pela semelhança com o estilo de jogo dos craques daquele país. Mas sua inspiração eram Carlinhos Violino e Nei Conceição, e o ídolo maior PC Caju. O craque teve belo desempenho no Torneio Internacional de Cannes, na França, em 1972, quando a seleção brasileira sub-20 foi campeã vencendo a Argentina na decisão.

Cheio de moral após o título e a participação dos Jogos Olímpicos, também em 1972, Pintinho fez a sua estreia no time principal do Fluminense com apenas 17 anos. Na ocasião, a equipe das Laranjeiras enfrentou o Bonsucesso e o meia teve a missão de marcar Jair Pereira.

Vale destacar, no entanto, que fazer parte daquele time do Fluminense não era tarefa fácil. Com um grupo repleto de craques, a geração ganhou o famoso apelido de “Máquina Tricolor” e Pintinho fez questão de escalar o time da sua vida: Renato, Carlos Alberto, Miguel, Edinho e Rodrigues Neto; Pintinho, PC Caju, Rivellino, Gil, Doval e Dirceu.

– Aquele time era enjoado! Lembro de um jogo contra o Goytacaz, que não tinha muita gente no estádio. Aplicamos uma goleada tão grande que perdemos a conta! Tive que perguntar o placar para um torcedor que estava na geral. Foi engraçado! A partida terminou 9 a 0.

Para se firmar no time titular, Pintinho teve que barrar ninguém menos do que Denílson, capitão e um dos jogadores mais respeitados pela torcida na época. Com um estilo mais refinado do que o concorrente, o holandês do Borel logo caiu nas graças da torcida e do técnico Duque.

– O jogador no meio-campo tem que saber fazer a ligação para o ataque! Não me conformo com chutão para frente!

Apesar da boa fase no Flu, já como titular incontestável, o ano de 1976 não foi bom para o craque. Além de ter perdido a semifinal do Campeonato Brasileiro para o Corinthians, no Maracanã, no jogo que ficou conhecido como “a invasão corintiana”, Pintinho perdeu o seu melhor amigo: Geraldo Assoviador.

– Éramos muito amigos! Sonhava em jogar ao lado dele, mas ou eu teria que sair do Flu ou ele do Fla. Só conseguimos jogar juntos nas peladas na Praia do Leblon. Era muito legal! Mas eu senti demais a morte dele! Foi duro! – disse, sem conter o choro.

A perda do melhor amigo o abalou de tal forma que, segundo ele, foi um dos principais motivos de sua ida para a Espanha. Influenciado também por PC Caju, seu mentor, Pintinho se transferiu para o Sevilha no início da década de 80, depois de uma rápida passagem pelo Vasco. A idolatria por PC Caju, aliás, chama a atenção.

– O PC é um irmão para mim e teve muita influência na minha carreira! Na equipe juvenil do Fluminense, cheguei a jogar de ponta-esquerda para imitá-lo. Eu era um dos mais novos da Máquina Tricolor e aprendi muito com ele! Somos grandes amigos até hoje!

A transferência para o futebol espanhol, sem dúvida, foi uma das decisões mais importantes de sua carreira. O craque se identificou tanto com a região, que não tem vontade nenhuma de voltar ao Brasil, pelo menos por enquanto. São 35 anos morando em Sevilha e 28 jogando pelada com os espanhóis.

– Recebo convites para jogar pelada todos os dias! A única coisa que impede a minha regularidade é uma artrose que está afetando meu fêmur. Mas sempre que posso, jogo, não tem como largar!

Hoje em dia, aos 62 anos, Pintinho fechou o bar que agitava as noites de Sevilha porque chegava em casa de madrugada, trabalha como comentarista e técnico. Garante que seu trabalho tem muita influência dos seus ex treinadores, sobretudo Didi, que comandou a Máquina na década de 70. O Fluminense, aliás, tem um lugar especial no seu coração.

– O Flu é tudo na minha vida! Vivi grandes momentos lá e foi o clube que me deu a oportunidade de vencer na vida! Sou muito agradecido ao Flu e sempre que estou no Rio vou visitá-lo.


Washington Araújo, André Mendonça, Daniel Planel, Sergio Pugliese, Carlos Roberto, Fábio Menezes, Pintinho e Marcelo Tabach

Quase no fim da resenha, Carlos Roberto, ex volante do Botafogo, apareceu no quiosque e fez questão de enaltecer o desempenho do craque e amigo.

– Ele foi um jogador extraordinário. Extremamente dedicado, tanto defendendo, quanto atacando! Um dos jogadores mais completos que já vi! Ele jogava de área a área, algo que é muito valorizado na Europa hoje em dia.