Katinha, que dança é essa?
texto: Cláudio Lovato Filho | fotos e vídeo: Edson Junkes e Alexandre Salles | Edição de vídeo: Daniel Planel
“Seja o que Deus quiser!”
Foi exatamente isso o que ele pensou, assim mesmo, quando o técnico Otto Glória lhe disse, no vestiário, durante o intervalo:
“Você vai entrar”.
Domingo, 9 de setembro de 1979. Segundo turno do Campeonato Carioca. Vasco e Flamengo se enfrentam no Maracanã quase lotado.
Elcir Andrade Branco sabe que aquele é o jogo que mudará a sua vida – para o bem ou para o mal. Ele veste a camisa preta com a faixa diagonal branca e tem o número 15 vermelho às costas. Um filme passa, em câmera acelerada, na cabeça de Elcir, nome que até a ele próprio soa estranho. Há muito tempo, ainda no infanto-juvenil do Atlético Paranaense, ele se tornara Katinha.
Ele vai para o campo e faz história.
O filme que passou na cabeça de Katinha ao entrar no gramado do Maracanã começara 21 anos antes, em Lages, Santa Catarina, onde ele nasceu, em 4 de fevereiro, e em cujas ruas deu os primeiros dos muitos dribles dos quais viria a ser autor vida afora, teve sequência em Curitiba, cidade de seu primeiro clube, o Atlético Paranaense, e então Florianópolis, terra do Leão da Ilha, o Avaí, de onde saiu literalmente fugido (mas por bons motivos; aliás, os melhores) rumo a São Januário, e depois daquela partida fantástica prossseguiu em Fortaleza, novamente Florianópolis, Joinville, Salvador, Piripiri, no Piauí, e outra vez Fortaleza, no encerramento da carreira, em 1997, jogando pelo Calouros do Ar. Depois de tudo isso, o descanso do guerreiro, ao lado dos muitos amigos que fez na Florianópolis do coração, onde mora.
“Seja o que Deus quiser!”, pensou Katinha, diante do lendário Otto Glória no vestiário do Maracanã.
E Ele quis que Katinha, logo em seu primeiro lance no jogo, cruzasse uma bola perfeita na cabeça de Roberto Dinamite, que entrou voando, não deu chance a Cantarele e decretou 3 a 2 para o Vasco.
E Ele também quis que, no lance do quarto gol, Katinha, correndo como se não houvesse amanhã, driblasse o zagueiro Nelson e depois Cantarele e, já quase caído dentro da pequena área, ouvisse o “Deixa!” de Roberto Dinamite, que chegou em cima e mandou a bola para dentro do gol.
“Katinha, que dança é essa/Que deixa o corpo todo mole?/Katinha, que dança é essa?” Depois daquele jogo, a canção “Dança do Bole Bole”, de João Roberto Kelly, adaptada para Katinha pela torcida do Vasco, não ficava de fora de nenhuma roda de samba de vascaínos. Era a homenagem da galera ao ponteiro-direito rápido, habilidoso e predestinado que chegara de Santa Catarina e, já no primeiro jogo, lhe caíra inteiramente nas graças, numa adoção imediata e eterna.
“Deixei muitos amigos nos clubes em que joguei”, diz Katinha, que recebeu a equipe do Museu da Pelada em seu apartamento no centro de Floripa para um bate-papo descontraído que você confere no vídeo. “Até hoje, quando o Vasco vem jogar aqui, vou ao hotel para visitar o pessoal”.
Com a simplicidade e a simpatia que são suas marcas registradas, Katinha nos mostra as camisas, as fotos e os troféus que guarda com imenso carinho. Nas paredes cobertas de fotos de seus tempos de jogador, a comprovação de que ele fez história, foi ídolo, foi herói e, o mais importante de tudo, tornou mais feliz a vida de muita gente, jogando com fé em si mesmo, jogando por música, jogando bola, porque era isso o que o destino havia, maravilhosamente, reservado para ele.