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AZÊDO DEFENDEU ARÍLSON: ‘INJUSTIÇA ZAGALO NÃO LEVÁ-LO À COPA DE 70’

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Felipe de Lima | fotos e vídeo: Daniel Planel 

O célebre repórter Maurício Azêdo, ex-presidente da ABI e um dos mais cultuados jornalistas brasileiros dos últimos 50 anos, foi categórico ao defender a convocação de Arílson para o Mundial do México: “Edu não atravessa uma boa fase, e Paulo César, que é uma espécie de quindim do treinador, ainda não conseguiu provar por que motivos Zagallo tem tanto amor a ele e tanto interesse por seu modo de jogar”. O Museu da Pelada mexeu com o passado e recuperou esse bastidor da história do futebol brasileiro

POR ANDRÉ FELIPE DE LIMA


“Você falou com o Arílson?!”. Essa foi a reação do meu velho pai ao saber da entrevista que fiz —acompanhado do meu amigo Sergio Pugliese e sob a câmera atenta de Daniel Planel — com o ponta-esquerda do Flamengo do final da década de 1960, o impetuoso e sem papas na língua Arílson. Fora dos gramados, um camarada de personalidade forte; dentro de campo parecia seguir a mesma linha. Arisco, driblador. Inegavelmente bom de bola. Segundo meu pai, Arílson era isso tudo. Acredito nele. Tem muito rubro-negro — que não é o meu caso e tampouco o do meu pai — que garante ter sido Arílson o melhor ponta canhoto do Flamengo antes de surgir Júlio “Uri Geller” César.

Em 1983, Arílson, que abandonou a carreira em 1977, tocava um bar no Grajaú. Tinha pouco mais de 30 anos. Nos fins de semana, pintavam por lá Silva “Batuta”, Dida e Carlinhos “Violino”, todos ídolos do Flamengo, clube onde ele, Arílson, brilhou também. Mas jogar bola era coisa do passado. Cansara dos gramados e comentava que investir no bar era muito melhor, porque, assim, ficava longe das porradas dos marcadores. O botequim rendia a ele cerca de 2 milhões de cruzeiros mensais. Isso é o que ele disse à revista Placar, no começo dos anos de 1980. Em nossa entrevista, realizada semanas atrás, afirmara o contrário: o bar foi um fiasco.

A torcida gostava bastante dele. O sonho era ter ingressado no escrete de 70, mas só jogou apenas duas partidas pela seleção B, uma contra a seleção do Amazonas, em Manaus, e outra contra o Olaria, no Maracanã. Isso pouco antes do Mundial, no México. Reclamava que aqueles jogos eram desmotivadores para quem pleiteava uma vaga na seleção.

Arílson tinha esperanças de ir à Copa do Mundo, afinal se destacou no “Robertão”(Torneio Roberto Gomes de Pedrosa, a “Taça de Prata”) do ano anterior. Não esperava ser cortado por Zagallo, porém reconhecia que lhe tiraram a oportunidade de mostrar seu futebol ao lado dos cobras do time principal. Acreditava que Zagallo mudaria de ideia e o levaria à Copa.Acabaram indo PC Caju (com quem sempre disputara posição no Flamengo) e Edu (o azougue do Santos), oficialmente como ponteiros, mas o titular na ponta canhota — como todos sabem — ficou sendo Rivellino. Certa vez um repórter perguntou a ele se o João Saldanha tinha mesmo sido injustiçado ao ser afastado da seleção. Ele respondeu o seguinte: “Não sei o que houve. Eu apenas acho que, se ele classificou o Brasil, é porque tem qualidades e devia continuar.”


Quem o defendeu foi o repórter Maurício Azêdo, que escrevera, em maio de 70, na revista Placar, sobre o corte de Arílson. Para o jornalista, a maior injustiça cometida por Zagallo. Azêdo reclamara que o treinador sacou o jogador sem ao menos testá-lo uma vez sequer. “Edu não atravessa uma boa fase, e Paulo César, que é uma espécie de quindim do treinador, ainda não conseguiu provar por que motivos Zagallo tem tanto amor a ele e tanto interesse por seu modo de jogar. Se Zagallo não pretendia dar uma oportunidade a Arilson, por que, então, o convocou?”

Para Azêdo, o corte de Arílson foi político e não técnico. Saldanha havia sido sacado, segundo o repórter, após uma “manobra suja” do então diretor de futebol da CBD, Antônio do Passo. Como Saldanha era muito querido da opinião pública, Zagallo foi orientado a convocar alguém do Flamengo, clube notadamente de maior torcida, para amenizar uma possível indignação popular e hostilidade a escolha do seu nome para ocupar o lugar do Saldanha. “Foi um gesto engana-trouxa, para iludir os otários, os beócios (…) Ele (Zagallo) devia ter sido mais decente com esse garoto (Arílson) bom de bola.”

Veio o Mundial de 74, na Alemanha, e Arílson mantinha a esperança. Mas novamente Zagalo o preteriu, e dessa vez nem mesmo uma vaguinha no time B pintou.

O sonho do Arílson era a seleção. Frustrou-se. Mas o maior de todos era mesmo um dia jogar pelo Flamengo. Realizou-o. No rubro-negro, falava que se adaptava mais aos métodos do temido Yustrich que aos do cerebral Tim. O “Homão”, como chamavam Yustrich, fazia do Arílson uma peça mais ofensiva de meio de campo, quando necessário. Isso confundia os adversários. Foi assim que o Flamengo acabou campeão do Torneio Internacional de Verão, realizado em janeiro, e da Taça Guanabara de 1970, um mês antes da Copa do Mundo. O ataque daquele Flamengo era indigesto com ele e o Dionísio de centroavante.

Arílson Pereira da Silva nasceu em Ramos, bairro do subúrbio carioca, no dia 18 de outubro de 1948. Foi morar no bairro do Itacolomi, na Ilha do Governador, onde teve os primeiros contatos com uma bola de futebol nas peladas quase que diárias na rua.

Começou a jogar futebol para valer em 1965, no time infanto-juvenil da Portuguesa da Ilha do Governador. No final do mesmo ano, ingressou na base do Flamengo. Fez um estágio de seis meses e foi aprovado.

Arílson estudou até a antiga primeira série do ginásio. Abandonou o colégio para trabalhar como eletricista de carros. Por três anos fez isso para ajudar no orçamento de casa. Só deixou a oficina mecânica para jogar na Portuguesa. Desejava retomar os estudos, mas a carreira nos gramados tomaram seu tempo integralmente. Desistiu dos cadernos escolares definitivamente.

Quando Arílson pleiteava a vaga na seleção de 70, estava noivo. O desejo imediato era construir uma casa para a futura esposa.

A CONTUSÃO E A POLÊMICA

O motivo para ser sacado por Zagallo da lista final de 70 foi o joelho. Arílson era um ponta arisco, driblador. Muito bem mesmo. Obviamente, um prato cheio para a violência dos laterais e zagueiros. No começo daquele ano, o joelho pediu arrego. Para piorar, tudo motivado por recuperações mal feitas por conta de deslizes médicos. A diretoria do Flamengo abafara o caso, mas o mesmo ocorrera com o Dionísio. Certamente isso pesou na decisão do Zagallo.


Em janeiro de 1971, não deu mais e Arílson teve de fazer uma cirurgia no joelho, depois revelou à imprensa que havia fragmentos do menisco interno no mesmo local operado. Isso se tornou um escândalo. Arílson foi severamente repreendido pelos cartolas rubro-negros e proibido de falar com jornalistas sobre o caso. Ninguém podia entrar no terceiro andar do Hospital da Cruz Vermelha, que era vigiado dia e noite por gente orientada pelos cartolas, que pensavam em outra versão para derrubar a do Arílson, e descobriram a “pólvora”. A falaciosa versão de que o “menisco externo tinha estourado” iria convencer os jornalistas. Papo furado que não ludibriou ninguém, naturalmente.

Veio outro diagnóstico que, de fato, apontou o problema no menisco externo, mas a história dos fragmentos do menisco interno não era fantasia do Arílson. Estava tudo confirmado.

Dar a volta por cima não foi fácil para ele. Quem mais deu força para ele foi o Yustrich.

Fez nova cirurgia. A recuperação foi lenta. Passava dias e noites no leito hospitalar fazendo palavras cruzadas e fumando. Entre uma coisa e outra, uma maçã para minar a ansiedade.

Aríllson voltou aos gramados, mas não era o mesmo. Conseguiu ajudar ao Flamengo nos títulos cariocas de 72 e 74, nas edições da Taça Guanabara de 72 e 73 e no Torneio Internacional de Verão, em 72.

Arílson ainda defendeu o Corinthians, em 75; o Americano e o Volta Redonda, onde encerrou a carreira em 77.

Foi, sem dúvida, um cobra dentro de campo.